No próximo dia 16 de Junho, Olhão comemora o Bicentenário da sublevação popular contra a ocupação das tropas napoleónicas e consequente elevação à categoria de vila com o nome de Vila de Olhão da Restauração.
A lembrança desses acontecimentos deve-se em primeira mão a João da Rosa, escrivão do Compromisso Marítimo, que redigiu uma memória descritiva do sucedido. Ele próprio, no dia 12 de Junho, ao proceder à limpeza da Igreja para as cerimónias do Corpo de Deus, destapou as armas reais, contrariando, assim, as ordens do invasor francês e provocando já aí algum alarido.Em resultado do Bloqueio Continental imposto pela França Napoleónica, o qual Portugal não cumpriu, as tropas francesas penetram em território português em 1807.
Face a este perigo, a Família Real e um enorme séquito, estimado em vários milhares de pessoas da classe dirigente, optam pela partida para o Rio de Janeiro, fazendo-se acompanhar de todas as suas riquezas. O Tesouro Português, já de si exausto, sofreu um rombo irremediável !
Enquanto o futuro D.João VI, afastado de perigos e responsabilidades, singrava através do Atlântico, Junot, general francês comandante do exército invasor, assentava arraiais em Lisboa e disseminava as suas tropas por todo o nosso território. Rapidamente se concluiu que os franceses tinham apenas o objectivo de sugar o resto dos recursos que o nosso país ainda possuía.
No caso de Olhão, aos pescadores era exigido que as lanchas que se dedicavam à apanha da morraça (termo local que designa o moliço) e da amêijoa pagassem um determinado imposto, condição sem a qual não podiam sair para a sua faina diária. No que concerne aos donos e mestres das várias embarcações, eram também obrigados a pagar a importância de 88$ooo réis por mês ao Compromisso Marítimo local, verba que se destinava ao denominado "prato do governador".
A população estava ainda sujeita ao pagamento da dízima e demais tributos sobre as casas, vinhas e fazendas, compromissos que eram satisfeitos em Faro.
As actividades tradicionais da população olhanense, directamente relacionadas com o mar, constituíam uma importante fonte de proventos para o ocupante estrangeiro, pois não eram só os barcos de pesca que eram tributados, mas também as embarcações que se dedicavam ao contrabando com Gibraltar e alguns portos espanhóis, estas obrigadas ao pagamento de dez moedas de ouro por cada viagem.
Sucederam-se os saques à propriedade, mormente às igrejas e catedrais que foram espoliadas de grande quantidade de objectos em prata, posteriormente fundidos e cujas barras eram enviadas para Paris
É neste contexto de grande debilidade económica e num clima de crescente descontentamento popular que se gerou o levantamento dos Olhanenses contra o invasor gaulês.

Na manhã do dia 16 de Junho, a população de Olhão dirigiu-se para a Igreja Matriz para assistir às solenidades do dia de Corpo de Deus, e depararam-se com um edital de Junot, datado de 11 de Junho, convidando os portugueses a lutar ao lado dos franceses contra a sublevação espanhola. Perante tal situação, o Coronel José Lopes de Sousa, governador de Vila Real de Santo António, que na altura se encontrava em Olhão, numa atitude de indignação, rasgou a proclamação, incitando os pescadores à revolta, tendo sido a partir de então aceite como o seu chefe natural.
O pároco da aldeia, padre Malveiro, contagiado pela revolta dos pescadores, procedeu à chamada "collecta pro Rege", que se deixara de fazer aquando da chegada dos franceses.
O simbolismo do acto de José Lopes de Sousa ao rasgar o edital foi determinante. A revolta estalou rapidamente, alastrando às localidades vizinhas e posteriormente a todo o Algarve. A derrota e fuga dos franceses na refrega de 18 de Junho, na ponte de Quelfes, foi marcante pois o entusiasmo popular redobrou e os reforços napoleónicos chegariam tarde de mais — o Algarve era novamente Português !
Com a retirada dos franceses tomava-se necessário que o Algarve fosse dirigido por um governo que cuidasse da direcção dos negócios da guerra e, paralelamente, dos negócios da administração pública. Com o referido objectivo, foi eleito em Faro, no dia 22 de Junho de 1808, um governo, que conduziria os assuntos algarvios até que o Príncipe Regente regressasse, e que era formado por elementos da nobreza, do clero, do exército e do povo e que era presidido por Francisco de Mello da Cunha de Mendonça e Menezes, Conde de Castro Marim e futuro 1º Marquês de Olhão.
Contudo, não estava terminada a participação do povo de Olhão na "Restauração" da província, pois, uma das primeiras medidas desta Junta Provisional foi a comunicação da nova situação política verificada no Algarve ao Príncipe Regente, tarefa esta que foi levada a cabo por um grupo de pescadores olhanenses, que num pequeno barco, o Caíque "Bom Sucesso", comandado pelo mestre Manuel Martins Garrocho, que partiu de Olhão no dia 6 de Julho de 1808, tendo chegado com a boa nova à cidade do Rio de Janeiro no dia 22 de Setembro do mesmo ano.
D. João VI, através de alvará datado de 15 de Novembro de 1808, elevou a aldeia de Olhão à categoria de "Vila de Olhão da Restauração" e atribuiu outros privilégios aos ocupantes do caíque, além de reconhecer a chamada Junta Provisional do Algarve.
Fontes: IRIA, Alberto, A Invasão de Junot no Algarve, Subsídios para a História da Guerra Peninsular - 1808/1814, Lisboa, 1941.
SANTOS, José João, Olhão e a Resistência à Ocupação francesa – Um projecto de Trabalho, 1995
A Escola Básica dos 2º e 3º ciclos João da Rosa, de Olhão, realiza desde 2002 a reconstituição histórica do episódio de 16 de Junho de 1808 e a partida do Caíque Bom Sucesso para o Brasil.
É um evento de grande envergadura, já que implica a participação de quase 200 pessoas entre alunos, professores, funcionários e encarregados de educação, em trajes de época.
O Projecto Vestir a História – Gabinete de Trajes e Acessórios, 1808 é o responsável pela criação das vestimentas que se repartem por vários grupos sociais: gente do mar, gente do interior, burguesia, clero, militares e ciganos.
No primeiro ano foi de vital importância a participação dos encarregados de educação que chamaram a si as despesas da confecção de grande parte dos trajes.
Nos anos posteriores, o guarda-roupa foi aumentado com mais peças e novos modelos.

Actualmente, o conjunto eleva-se a mais de 500 peças de diferentes tecidos, padrões e texturas e um número considerável de acessórios, nomeadamente sapatos, botas, tamancas, e sapatos de ourelo, meias, mantilhas, lenços, gorros, chapéus civis e militares, apetrechos de pesca e cestaria variada.

É um Projecto importante a todos os níveis. Os alunos aprendem História, os professores desenvolvem actividades várias, os encarregados de educação participam, a comunidade revive o ambiente dos seus antepassados e a Cidade de Olhão engrandece-se porque recordando o passado, compreende melhor o presente.
No próximo dia 16 de Junho, Olhão está em festa! Vai reviver-se 1808!