quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Realidade

Bom, esquecido não estavas, meu querido Blog. Eu é que entrei na era dos óculos e bengala... A Vida não é como a queremos mas como ela quer que seja.

Aqui te deixo um texto, um pouco longo,  que descobri algures numa rede social e que condiz com a nossa Vida.

Éramos todos jovens. Jovens, bonitos, elegantes e muito sensuais. Eu também era assim. Era o futuro. Aquele que, no presente, representava o futuro e nunca, nunca por nunca, seria passado.
As calças apertadas. As camisas abertas. A barba de três dias. O cabelo revolto ou o gel no cabelo. As discotecas. Os bares dançantes. As saídas de casa. O teatro. O cinema. Os concertos. As bebedeiras. As drogas. As noites de sexo que os pais, coitados, nunca tinham tido. Eram namoradas, amigas, amigas muito coloridas, conhecidas.
No alto da minha arrogância apontava o dedo acusador aos velhos que me tinham precedido. Não sabiam. Já não sabiam. Ria-me de os ver curvados, gordos, carecas. De perderem o fôlego numa pequena corrida. De não entenderem a tecnologia. De terem dedos demasiado grossos para escrever mensagens no iPhone. De esquecerem onde tinham largado os óculos e não verem nada sem eles. Das roupas sem graça que usavam. Dos livros esquecidos que citavam. Das músicas parolas que dançavam. E como dançavam. Colados. Uns aos outros. A sentirem a transpiração uns dos outros.
Eu nunca usaria óculos nem bengala. Nunca mijaria nas calças nem na cama. De corpo direito e cabeça erguida nunca receberia ordens. Seria eu a dá-las.
O mundo era meu. Nosso. Nosso, dos jovens. Os que tinham futuro. Íamos ter trabalhos de grande responsabilidade mas cheios de glamour, com salários com que os nossos pais nunca puderam sonhar, e podíamos ir de férias para todo o lado. O mundo era o nosso quintal. A globalização tinha-nos dado a ideia de que podíamos ir a todo o lado. A internet levou-nos lá. As low-cost levaram-nos, de facto, a quase todos os lados. Mais a uns lados que outros que temos tendência para ir onde vai toda a gente. Precisamos de eco. Ver o que os outros vêm. Ouvir o que os outros ouvem. Ler o que os outros lêem. Ir onde os outros vão. Mas não uns outros quaisquer. Os nossos outros. Os meus outros. Os meus amigos. A minha tribo. O meu parâmetro de comparação. Fomos às mesmas ilhas das caraíbas, em resorts assépticos que a realidade é uma merda. Às mesmas cidades de cartaz. Quem não foi a Veneza? A Barcelona? A Paris? A Londres? Quem não passou férias na República Dominicana e em Cuba? Quem não foi a Jericoacoara? A Natal? Quem não sonhou em ir à Nova Zelândia? Mas já não chegámos lá.
Éramos a geração escolarizada. Todos aprendemos a ler e a escrever. A ter opinião e a deixar de a ter. Éramos superiores aos nossos pais que não sabiam ler ou tinham uma quarta classe tirada em adulto. Fomos os primeiros a levar livros para casa. Falávamos várias línguas. Íamos conquistar o futuro.
E saímos de casa dos pais para ir estudar. Estudar longe de casa – ainda se podia. E a pensar nunca mais voltar.
Como estávamos enganados.
E depois, depois de muitos anos de tudo a que nos julgávamos com direito, depois de muitos anos a tratar o mundo por tu, percebemos que nós éramos os nossos pais.
Eu percebi isso quando voltei para casa deles. Quando regressei, porque não podia ter sido de outro modo. Todo o meu conhecimento não foi suficiente para conseguir um trabalho bem pago. Sem capacidade de pagar uma renda de casa. Mais água. E gás. E electricidade. E o cabo. Como viver sem internet? Sem férias. Sem viagens. O mundo era meu, mas era digital. Estava lá, não estando. Um sonho que que só existia no Facebook, no Instagram.
Então, descobri que eles era eu. Eu era o velho. Era o gordo. Eu é que tinha os dedos demasiado grossos para escrever mensagens no iPhone. O meu presente já não tinha futuro, só passado. Um passado cheio de esperança e ambição que não chegou ao presente.
Agora uso calças largas porque me são mais confortáveis. Óculos para perceber quais os comprimidos a tomar. Já não tenho cabelo. O sexo só por marcação e com ajuda do comprimido azul. Já não saio de casa sem a bengala. Na verdade, já não saio de casa. Tenho frio. E medo.
[escrito directamente no facebook em 2019/12/04]