segunda-feira, 30 de junho de 2008

Quase

Mário Sá-Carneiro



Um pouco mais de sol - eu era brasa,

Um pouco mais de azul - eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa...

Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído

Num grande mar enganador de espuma;

E o grande sonho despertado em bruma,

O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,

Quase o princípio e o fim - quase a expansão...

Mas na minh'alma tudo se derrama...

Entanto nada foi só ilusão!


De tudo houve um começo ... e tudo errou...

- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...

Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,

Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos de alma que, desbaratei...

Templos aonde nunca pus um altar...

Rios que perdi sem os levar ao mar...

Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...

Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;

E mãos de herói, sem fé, acobardadas,

Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,

Tudo encetei e nada possuí...

Hoje, de mim, só resta o desencanto

Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,

Um pouco mais de azul - e fora além.

Para atingir faltou-me um golpe de asa...

Se ao menos eu permanecesse aquém...


sexta-feira, 27 de junho de 2008

Tolerância no Mundo

Estas palavras não são minhas e não me importaria nada se fossem. São de uma jovem preocupada e interessada nas coisas que a rodeiam. Sabe o que quer, sabe para onde vai e conta sempre com o próximo. Tem as loucuras próprias da idade. Mas é bonita, por fora e por dentro.



Vila da Esperança, dia de começar, do ano de agora

Exm° Sr. Alguém-Que-Podes-Ser-Tu,

Venho, por este meio, pedir-te um favor.
Estejas tu longe ou perto, não importa a caminhada,
vou ao teu encontro, percorro esta estrada.
Apenas te peço uma oportunidade:
que me escutes com atenção e humildade.
Suponho que saibas quem sou.
Sou aquela menina que agora acordou,
que de súbito olhou o mundo
e não gostou do que encontrou.
Tu, como eu, não o queremos assim.
Queremos igualdade e paz para ti e para mim.
Achas que seria pedir de mais que a cor fosse ignorada
e o verdadeiro sentimento fosse a coisa mais respeitada?
Que tal se a cor fosse insignificante
e nos preocupássemos com algo mais importante?
Que tal se o homem fosse mais tolerante?
Gostava de te sugerir que, por um dia,

todos fôssemos iguais.
Será que a atitude não mudava?
Será que o nosso frio coração não passava a aceitar?
Tenho tanta coisa para te perguntar...
E se por agora a religião fosse esquecida
e a nossa causa fosse a união?
E se todos os meninos do mundo

tivessem uma vontade em comum?
E se tanta vaidade se tornasse humildade?
Tens muito por onde começar,
a missão está longe de acabar.
Se todos fôssemos mais tolerantes,
talvez não houvesse crianças maltratadas,
talvez não fossem tão exploradas.
Se calhar tantas lágrimas não eram choradas,
se calhar tantas atitudes eram evitadas.
Talvez a corrupção não fosse a segunda opção,
talvez a pobreza tivesse uma solução.
Talvez optássemos pela união.
Talvez... talvez? Tens resposta para esta questão?
Enquanto tantos sorriem,
outros tantos choram,
outros tantos agridem
e outros imploram.
Todos de costas voltadas,
nesta pequena bola azul.
E se nós chutarmos a indiferença?
E se a nossa convicção for uma crença?
Tu tens esse poder...
Faz cada um de nós crescer.
Faz a tolerância acontecer.
Queres um porquê? Eu dou-te o teu porquê:
felizmente cresci, e eis que me apercebi...
O mundo não era perfeito,
grande parte dele a sofrer
e eu sem nada fazer.
Descobri então que todos éramos um nada,
que todos estávamos separados,
a lutar por objectivos disparatados.
Se o mundo fosse diferente,
uma menina esquecida,
num grito de apelo,
numa ânsia desmedida,
não tinha que escrever um texto a implorar
que a prioridade fosse a tolerância,
que o que nos move não seja a insignificância.
A verdade é que a oportunidade surgiu ...
Sei que nem todos falam contigo,
sei que nem todos te tratam como um amigo,
sei que nem todos conseguem pedir,
mas eu peço, não vou fugir.
Tenho uma folha na mão,
escrevo-te tudo o que me vai no coração.
Já não tenho vergonha de falar contigo,
vergonha é a resignação,
é voltar as costas a quem posso dar a mão.
Não quero, outra vez, virar a cara,
fingir que tudo está bem,
quando alguns nada têm.
Agora que falei contigo sinto-me contente,
podemos mudar as coisas falando no presente.
O futuro é longe, é apenas um tempo verbal,
não sabemos se correrá bem ou mal.
De tolerância em punho, vamos desfilar.
O mundo que construímos?
Passamos a apresentar:
vejo meninas sorrirem de boneca na mão,
vejo meninos desenharem um avião.
Vejo a mulher respeitada nos direitos que merece
e o seu homem amado logo que aparece.
Vejo brancos e negros debaixo do mesmo tecto,
lares multicolores onde reina o afecto.
Para todos comida, para todos medicamentos,
para cada um liberdade e alento.
As armas guardadas e o rancor esquecido,
o que passou... passou, é um inimigo vencido.
Junta-te a este cortejo e traz um amigo.
Caminhamos em frente, num todo unido.
Todos remamos no mesmo sentido.
Então não te esqueças: agarra a oportunidade.
Tolerância no mundo é a nossa vontade.
Por um mundo melhor, por ti que estás aí.

Com a maior esperança,



Menina número 973848234789838405...

Beatriz Caetano, 15 anos

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Noite de S.João


Fernando Pessoa dizia que as quadras populares são o vaso de flores que o Povo põe à janela da alma.

Há mais de 75 anos que o Jornal de Notícias promove o concurso de quadras populares, no âmbito das festas do S. João. Aqui vão algumas:

No dia de S. João
Há fogueiras e folias
Gozam uns e outros não
Tal como nos outros dias

Aqui tens meu coração
Decide da sua sorte
Mas olha que S. João
É contra a pena de morte (1931)

Quando as saias arregaça
Para bailar livremente
Maria, cheia de graça
Faz a desgraça da gente (1931)

Teus lindos olhos cravaste
Nas fogueiras, com ciúme
E de novo incendiaste
As próprias cinzas do lume (1933)

Da imensa cascata erguida
Sobre este monte bizarro
Apenas somos, na vida,
Pobres bonecos de barro (1944)

Trocaste um passo na roda
E desse passo mal dado
Houve arroz doce na boda
Que sabia a baptizado (1947)

Ficar sem festa e sozinha
É tudo quanto me resta
Porque os foguetes que tinha
Deitei-os antes da festa (1953)

Povo! Na tua fé louca
Cantavas pra não chorar!...
Hoje sem cravos na boca
Choras de poder cantar (1974)

Com certas moças não brinco
Em noite de S. João
São como porta sem trinco
Que faz de um homem ladrão (1980)

Tenho o salário em atraso
Mas vou pra rusga contente
Hoje o meu contrato a prazo
É de amor a toda a gente (1986)

Acabada a reinação
Vim da festa acompanhado.
Quis passar por gavião,
Acabei pombo anilhado. (1995)

sábado, 21 de junho de 2008

Os Olhos Azuis


Ainda a propósito das comemorações do Bicentenário, o meu amigo José João escreveu este conto, no qual recria o falar característico das gentes de Olhão.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Fim de Festa

Há 200 anos a aldeia de Olhão tornou-se a Vila de Olhão da Restauração.
O Bicentenário foi comemorado com muita pompa e alguma circunstância.

A Recriação Histórica da revolta contra o ocupante francês transportou os olhanenses até essa data distante. João da Rosa recordou, na primeira pessoa, o que às gerações vindouras deixou escrito.Os pescadores afirmaram o profundo descontentamento no seu falajar rude como o surrobeco das calças ou o riscado das camisas; as mulheres da ria invectivaram com fúria o ocupante que as desrespeitava, deixando entrever as anáguas por debaixo das saias compridas; a gente do interior, agarrou nas cestas com os produtos do seu labor a cada passagem da soldadesca, temendo ser espoliados. À porta da Igreja Matriz, construída em 1695, a burguesia olhava altiva a populaça, arroupada de sedas e veludos. José Lopes de Sousa, no seu traje de militar, não quer admitir que "Já não há Portugueses! Já não somos nada!" e rasga o edital do usurpador. Então, terminada a missa, conduzida pelo Padre Malveiro, os olhanenses juntaram-se ao chefe eleito naquela hora e expulsaram os invasores.
Foi bonito de se ver. Foi mesmo bonito de se ver.


Mas Olhão é, também, uma terra de poetas. Teresa Rio, poetisa de créditos firmados, homenageia um grande Olhanense, João Lúcio.




ENCANTAMENTO
(Recordando o Poeta Olhanense João Lúcio)


Nas altas copas verdes do pinhal
Chegara pontual o sol nascente;
Beijada pela brisa matinal
Vibrava a ramaria docemente.
E, ali, estava o campo salpicado
De flores coloridas e modestas,
- Original tapete matizado -
P'ra receber a Deusa das Florestas,
Riscando o azul, álacre, a passarada,
(Quem dera assim fruir de tal leveza)
Rompera numa enorme chilreada
Num hino de louvor à natureza!
- Jogos da vida, cruzados no céu -
Na terra, a mutação renovadora
Da semente que em silêncio cresceu
Com vigor, esplendente e promissora.
A Ria, o areal subindo, vinha
Mirar tanta beleza sem igual!
E a alma do Poeta, ali sozinha,
De certo vagueava p'lo pinhal!!!






quinta-feira, 12 de junho de 2008

VILA DE OLHÃO DA RESTAURAÇÃO

No próximo dia 16 de Junho, Olhão comemora o Bicentenário da sublevação popular contra a ocupação das tropas napoleónicas e consequente elevação à categoria de vila com o nome de Vila de Olhão da Restauração.
A lembrança desses acontecimentos deve-se em primeira mão a João da Rosa, escrivão do Compromisso Marítimo, que redigiu uma memória descritiva do sucedido. Ele próprio, no dia 12 de Junho, ao proceder à limpeza da Igreja para as cerimónias do Corpo de Deus, destapou as armas reais, contrariando, assim, as ordens do invasor francês e provocando já aí algum alarido.



Em resultado do Bloqueio Continental imposto pela França Napoleónica, o qual Portugal não cumpriu, as tropas francesas penetram em território português em 1807.
Face a este perigo, a Família Real e um enorme séquito, estimado em vários milhares de pessoas da classe dirigente, optam pela partida para o Rio de Janeiro, fazendo-se acompanhar de todas as suas riquezas. O Tesouro Português, já de si exausto, sofreu um rombo irremediável !
Enquanto o futuro D.João VI, afastado de perigos e responsabilidades, singrava através do Atlântico, Junot, general francês comandante do exército invasor, assentava arraiais em Lisboa e disseminava as suas tropas por todo o nosso território. Rapidamente se concluiu que os franceses tinham apenas o objectivo de sugar o resto dos recursos que o nosso país ainda possuía.

No caso de Olhão, aos pescadores era exigido que as lanchas que se dedicavam à apanha da morraça (termo local que designa o moliço) e da amêijoa pagassem um determinado imposto, condição sem a qual não podiam sair para a sua faina diária. No que concerne aos donos e mestres das várias embarcações, eram também obrigados a pagar a importância de 88$ooo réis por mês ao Compromisso Marítimo local, verba que se destinava ao denominado "prato do governador".
A população estava ainda sujeita ao pagamento da dízima e demais tributos sobre as casas, vinhas e fazendas, compromissos que eram satisfeitos em Faro.
As actividades tradicionais da população olhanense, directamente relacionadas com o mar, constituíam uma importante fonte de proventos para o ocupante estrangeiro, pois não eram só os barcos de pesca que eram tributados, mas também as embarcações que se dedicavam ao contrabando com Gibraltar e alguns portos espanhóis, estas obrigadas ao pagamento de dez moedas de ouro por cada viagem.
Sucederam-se os saques à propriedade, mormente às igrejas e catedrais que foram espoliadas de grande quantidade de objectos em prata, posteriormente fundidos e cujas barras eram enviadas para Paris
É neste contexto de grande debilidade económica e num clima de crescente descontentamento popular que se gerou o levantamento dos Olhanenses contra o invasor gaulês.


Na manhã do dia 16 de Junho, a população de Olhão dirigiu-se para a Igreja Matriz para assistir às solenidades do dia de Corpo de Deus, e depararam-se com um edital de Junot, datado de 11 de Junho, convidando os portugueses a lutar ao lado dos franceses contra a sublevação espanhola. Perante tal situação, o Coronel José Lopes de Sousa, governador de Vila Real de Santo António, que na altura se encontrava em Olhão, numa atitude de indignação, rasgou a proclamação, incitando os pescadores à revolta, tendo sido a partir de então aceite como o seu chefe natural.
O pároco da aldeia, padre Malveiro, contagiado pela revolta dos pescadores, procedeu à chamada "collecta pro Rege", que se deixara de fazer aquando da chegada dos franceses.
O simbolismo do acto de José Lopes de Sousa ao rasgar o edital foi determinante. A revolta estalou rapidamente, alastrando às localidades vizinhas e posteriormente a todo o Algarve. A derrota e fuga dos franceses na refrega de 18 de Junho, na ponte de Quelfes, foi marcante pois o entusiasmo popular redobrou e os reforços napoleónicos chegariam tarde de mais — o Algarve era novamente Português !
Com a retirada dos franceses tomava-se necessário que o Algarve fosse dirigido por um governo que cuidasse da direcção dos negócios da guerra e, paralelamente, dos negócios da administração pública. Com o referido objectivo, foi eleito em Faro, no dia 22 de Junho de 1808, um governo, que conduziria os assuntos algarvios até que o Príncipe Regente regressasse, e que era formado por elementos da nobreza, do clero, do exército e do povo e que era presidido por Francisco de Mello da Cunha de Mendonça e Menezes, Conde de Castro Marim e futuro 1º Marquês de Olhão.
Contudo, não estava terminada a participação do povo de Olhão na "Restauração" da província, pois, uma das primeiras medidas desta Junta Provisional foi a comunicação da nova situação política verificada no Algarve ao Príncipe Regente, tarefa esta que foi levada a cabo por um grupo de pescadores olhanenses, que num pequeno barco, o Caíque "Bom Sucesso", comandado pelo mestre Manuel Martins Garrocho, que partiu de Olhão no dia 6 de Julho de 1808, tendo chegado com a boa nova à cidade do Rio de Janeiro no dia 22 de Setembro do mesmo ano.


D. João VI, através de alvará datado de 15 de Novembro de 1808, elevou a aldeia de Olhão à categoria de "Vila de Olhão da Restauração" e atribuiu outros privilégios aos ocupantes do caíque, além de reconhecer a chamada Junta Provisional do Algarve.



Fontes: IRIA, Alberto, A Invasão de Junot no Algarve, Subsídios para a História da Guerra Peninsular - 1808/1814, Lisboa, 1941.
SANTOS, José João, Olhão e a Resistência à Ocupação francesa – Um projecto de Trabalho, 1995




A Escola Básica dos 2º e 3º ciclos João da Rosa, de Olhão, realiza desde 2002 a reconstituição histórica do episódio de 16 de Junho de 1808 e a partida do Caíque Bom Sucesso para o Brasil.
É um evento de grande envergadura, já que implica a participação de quase 200 pessoas entre alunos, professores, funcionários e encarregados de educação, em trajes de época.
O Projecto Vestir a História – Gabinete de Trajes e Acessórios, 1808 é o responsável pela criação das vestimentas que se repartem por vários grupos sociais: gente do mar, gente do interior, burguesia, clero, militares e ciganos.
No primeiro ano foi de vital importância a participação dos encarregados de educação que chamaram a si as despesas da confecção de grande parte dos trajes.
Nos anos posteriores, o guarda-roupa foi aumentado com mais peças e novos modelos.



Actualmente, o conjunto eleva-se a mais de 500 peças de diferentes tecidos, padrões e texturas e um número considerável de acessórios, nomeadamente sapatos, botas, tamancas, e sapatos de ourelo, meias, mantilhas, lenços, gorros, chapéus civis e militares, apetrechos de pesca e cestaria variada.






É um Projecto importante a todos os níveis. Os alunos aprendem História, os professores desenvolvem actividades várias, os encarregados de educação participam, a comunidade revive o ambiente dos seus antepassados e a Cidade de Olhão engrandece-se porque recordando o passado, compreende melhor o presente.


No próximo dia 16 de Junho, Olhão está em festa! Vai reviver-se 1808!



segunda-feira, 9 de junho de 2008

Parabéns, Mãe!

Hoje a minha mãe faria 80 anos!
Como eu gostaria de a ter conhecido velhinha, enrugada e justa, como só ela!
As flores de que ela gostava e o poema que às vezes lhe lia :

PECADO ORIGINAL


Sim, Mãe! sim, muita vez te vi chorar,
Sem desistir de te fazer sofrer.
Gozava então nem sei que atroz prazer
De te arranhar no peito... e me arranhar.

Mas quis lutar comigo, Mãe! lutar
Contra esse monstro obscuro do meu ser.
Que sonho, Mãe!: ter-me eu em meu poder,
Talhar-me bom, feliz, simples, vulgar...

Mãe! com que força vi que era impotente! ...
Porque de bem mais longe e bem mais fundo
A culpa do meu ser a nós dois veio.

Perdoemos um ao outro, humildemente:
Eu, Mãe! — ter-me o teu seio dado ao mundo;
Tu, — ter-me eu feito vida no teu seio.

José Régio

domingo, 8 de junho de 2008

Letras com Sabor


Conheço o meu amigo Fernando desde que ele era pequenino, de resposta pronta e ar despachado. Depois fomos vizinhos. Já ele era um adolescente que sabia o que queria da vida.
Tornou-se cozinheiro. Dos melhores. Sinto grande orgulho nele. Porque foi longe na vida e faz aquilo de que sempre gostou sem atropelar ninguém e porque continuou sendo a mesma pessoa.
Hélio Loureiro é por demais conhecido dos portugueses. Responsável pela alimentação da selecção portuguesa de futebol, é um dos mais conceituados e prestigiados Chefes de Cozinha, autor de programas de televisão e de livros sobre gastronomia.
Recentemente, o meu amigo aceitou o desafio de outros amigos e estreou-se na literatura com um livro surpreendente onde a Gastronomia se mistura com a História.
O livro proporciona uma leitura atractiva, com muitos cheiros, sabores, texturas, cores e sons, acrescidos das descrições muito visuais dos ambientes, nomeadamente das cozinhas. É um livro colorido e cheio de movimento.
As receitas apresentadas ao longo da narrativa envolvem o leitor, resultando numa mais-valia de interacção. Experimentando as receitas, vivenciamos a época retratada.
A trama, contada na primeira pessoa, é simples, sem ser simplista. As ambições pessoais de António do Vale das Rosas são goradas por intrigas políticas em nome de uma nação dividida, que o leva a associar-se a um crime que desagua em vingança.
Não fez jus ao provérbio de que é melhor deitar-se com penas do que acordar com remorsos. A personagem do cozinheiro levado à traição, resgata no suicídio/assassínio a lealdade jurada ao seu rei.
No contexto das invasões francesas, a ida da corte para o Brasil desencadeou um conjunto de reacções políticas e sociais, descritas com vivacidade por Hélio Loureiro.

É um livro muito interessante, do qual eu aconselho a leitura.
Para aguçar o apetite, deixo aqui, com a devida autorização do meu amigo, as primeiras páginas.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Dia do Ambiente



Mais outro DIA que deve ser lembrado a cada instante e celebrado até nas mais simples actividades que mecanicamente fazemos todos os dias.
A Terra está doente há muito tempo. O Homem, na senda da evolução e do poder, criou-lhe doenças que não combateu. Industrializou-se e contaminou o ar, os rios, os mares, as águas. Alargou cidades e destruiu florestas. Consumiu-se em modas e desbastou recursos energéticos. Dividiu o mundo em função da riqueza gerada e gerida e criou miséria, fome e guerra.
O antídoto para esta incisiva degradação do meio ambiente passa pela redução drástica dos gases de efeito de estufa e pela ampliação da superfície florestal, acções que devem ser acompanhadas pela utilização de novas tecnologias menos agressivas para o meio, por um menor consumo energético e por um aumento das fontes de energia renováveis; todas elas medidas que deverão ser postas em prática após um decidido compromisso a nível mundial. Mas, além disso, todos nós, cidadãos do mundo, temos de nos comprometer inexoravelmente e de nos envolvermos na solução; temos de alterar os estilos de vida e as normas que os regem, bem como educar os nossos filhos nos novos padrões daí decorrentes. (in National Geographic, Agenda Verde 2008).
Mas a preocupação por este estado de coisas não é de agora. O Homem que não tem poder, o que não governa nem decide, preocupou-se. Recordemos um exemplo entre muitos.

No ano de 1854, o presidente dos Estados Unidos propôs aos índios Duwamish, que habitavam a região onde actualmente se encontra o estado de Washington, comprar grande parte de suas terras, oferecendo, em contrapartida, a concessão de uma outra "reserva". O Chefe Seatle reuniu a tribo no seu meio natural e reflectiu sobre as relações do homem com a Natureza. As suas sábias palavras foram a resposta à proposta presidencial de compra de terra.
Em 1976, a ONU considerou terem sido os mais profundos pronunciamentos já feitos a respeito da defesa do meio ambiente.


Carta do Chefe Seatle


Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa ideia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?
Cada pedaço desta terra é sagrado para o meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e insecto a zumbir são sagrados na memória e experiência do meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.
Os mortos do homem branco esquecem a sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos húmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem - todos pertencem à mesma família.
Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar a nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós.
Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar às suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.
Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.
Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou bater das asas de um insecto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.
Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar a nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um combóio ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos.
O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.
Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças o que ensinamos às nossas, que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.
Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.
O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.
Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos - e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que O possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra é-lhe preciosa, e feri-la é desprezar seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejectos.
Mas quando do seu desaparecimento, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruída por fios que falam. Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência.


PLANETA BLUE




Eu sou atlântica dor

planeta no lado do sul

de um planeta que vê

e que é visto azul

Mas essa primeira impressão

esse planeta blue

não é a visão mais real

além de cor, blue é também muito triste

pode ser o lado nu,

o lado pra lá de cru

o lado escuro do azul

Eu sou um homem comum

eu sou um homem do sol

eu sou um african man

um south american man

A fome continental

miséria que o norte traz

a fome que a morte vem

a fome não vem da paz

O ódio que o ódio tem

se espalha bem mais veloz

que a água que a chuva traz

que o grito da nossa voz

Eu sou um homem qualquer

estou querendo saber

se dá pra gente viver

se dá pra sobreviver

Quero saber de coração

se nossa humanidade

e este planeta vão poder prosseguir

Quem sabe a terra segue o seu destino

bola de menino pra sempre azul

Quem sabe o homem mata o lobo homem

e olha o olhar do homem que é seu igual

Quem sabe a festa chega a floresta

e o homem aceita a mata e o animal

Quem sabe a riqueza?

e toda a beleza estará nas mesas da terra do sul

Eu sou atlântica dor

plantada no lado do sul


Milton Nascimento

domingo, 1 de junho de 2008

Dia da Criança

Para todas as crianças, balões, muitos balões. De mimos, de carinhos.

O BALÃO VERMELHO

Tiago estava muito contente.
Ele ia a uma festa muito bonita,
onde o seu grande desejo
se ia tornar realidade...
- Dá-me depressa a roupa, mãe.
Não quero chegar atrasado
à festa do Jardim do Livro Infantil.
Enquanto se vestia,
Tiago ia falando, falando sempre:
- Olha mãe, lá há muitas coisas:
livros, cinema, teatro...
então balões: um monte!
E tão bonitos! Azuis, amarelos, vermelhos, verdes..


Foi o Gégé que disse.
Eu quero um balão.
Um balão vermelho, vermelho, grande como o sol.
-Tiago!...Tiago!...Vamos!
- gritaram os meninos na porta do quintal.
- Vamos mais cedo
para andarmos de baloiço, de escorrega,
e para vermos bem o jardim
que tem plantas muito lindas.
...E lá foram andando,
Todos felizes,
para a festa do Jardim do livro Infantil.
Pelo caminho, foram conversando
com todos os bichinhos que encontravam.
- Caracol... caracolinho...
Não vais à festa festança
Do Jardim das Crianças?
-Sim, sim, já para lá vou.
Já há duas horas que caminho...
e espero chegar a tempo.
- Então, adeus.
- Croac—croac…croac...
Já estou atrasado
-dizia o sapo sapinho
chamado Mikinho.
-Preciso de me apressar
para chegar cedo à festa festança
do jardim das Crianças.

[...]
Por mais que procurasse,
Tiago não conseguia encontrar quem assim falava.
E Tiago viajou...
Presa ao grande balão estava uma cestinha.
Dentro dela um monte de balões.
Tiago estava feliz. Sentado na cestinha lá ia ele voando...
Voando, parando ali e aqui para distribuir balões.
por onde passava só havia alegria...
crianças e mais crianças,
balões e mais balões de muitas cores,
risos e mais risos, canções e mais canções.
Parecia mesmo que em cada terra do mundo
também tinham feito a festança do Jardim das Crianças.


Cremilda Lima
(in "O balão vermelho" — excertos) Angola