quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

BOAS FESTAS

A  RAZÃO DE SER NATAL - Ana Sebastião

A noite caíra há já muito tempo,
A multidão sorria,
Festejava-se neste dia de Dezembro
Mais um Natal!
Natal de presentes
P’ra toda a criança
Mas, como tantos outros,
Um natal de mentira!

Estava frio,
A lua era redonda
Como que para iluminar,
A festa que ia já terminar
Sem nada de novo,
Sem mesmo se falar
Que chegara o Redentor!

Alguém dissera:
“Jesus nasceu”
Mas isso era apenas
Mais um motivo para brincar,
Ninguém ousou exclamar,
Ninguém ouviu dizer:
- Ele veio para AMAR!

A razão da alegria foi esquecida:
Deus enviou–O
Para salvar o mundo!
Jesus um dia nasceu,
Para eu hoje te falar
Que ele te pode salvar,
E não será em vão
Mais uma festa de NATAL!


A Natividade Mística - Botticelli

NATAL DIVINO - Miguel Torga


Natal divino ao rés-do-chão humano,

Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
À lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.
O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar…
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar…

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Porque faço Anos...

Três prendas para mim própria: dois poemas e uma canção.


Passado, Presente, Futuro


Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:

Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.


Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"




Não Pode Tirar-me as Esperanças


Busque Amor novas artes, novo engenho

Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.


Mas conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.


Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde;
Vem não sei como; e dói não sei porquê.

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Nobel das notícias

Arranca ou não arranca? Quero crer que sim. Vendo bem, material não falta. Desde o bicho que entrou na madeira sem que se notasse e agora, retalhado que está o móvel, não há dinheiro para o conserto, até ao concerto gigante da pedra no rio, onde as nossas melhores vozes, embora que muito apreciadas no momento, são inteiramente desconhecidas do povão do lado de lá! Bendita irmandade, tanto num caso como no outro. Nem o continente é salvação para uns, nem os dois continentes efetivam a tal cultura pluri que floreiam os discursos das chefias quando se encontram. Enfim! Adiante. 
Oiço de relance as notícias de um qualquer telejornal (são as mesmas, com alinhamentos e tudo) e arranha-me os ouvidos a defesa daquela mãe que abandonou o rebento, mas afinal até é muito boa mãe, tão cuidadosa que lhe deu um rebate de consciência e quer o rebento de volta.Ponto final. Os rebentos assumiram definitivamente a sua condição de toysareus e ora vão para a prateleira, ora saem da prateleira.... Céus! se isto não é o fim dos tempos, não sei que diga.
E agora que falei, ainda que discretamente, de dignidade, acudiu-me à mente uma outra notícia que também não deixa qualquer margem para uma reflexão digna, tamanho é o espanto. Ora aqui vai: um miúdo português, esforçado e aplicado ganha uma medalha num concurso que requer altos QI's e deixa o país com o ego puxado cá para cima. Quando quer entrar para a universidade, não entra por umas mísera décimas. A medalha perdeu o significado. O grave é que dias depois, em fases desfasadas da exigência entram alguns com menos qualificação. O medalhado perdeu o significado da palavra justiça. Ele sempre há coisas para lá do sobrenatural, palavra aqui empregue no sentido mais puro - acima do que é próprio da natureza. Outro ponto final.
E por falar em natural, a Academia Sueca premiou um natural...daquele país. O Nobel da Literatura vai para um quase desconhecido em outras paragens que não a sua. Numa breve pesquisa dei com um poema traduzido no Brasil. Vou lê-lo muito atentamente e tentar descobrir dignidades e significados.

Poemas haikai - Tomas Tranströmer


Os fios elétricos
estendidos por onde o frio reina
Ao norte de toda música.

O sol branco
treina correndo solitário para
a montanha azul da morte.

Temos que viver
com a relva pequena
e o riso dos porões

Agora o sol se deita.
sombras se levantam gigantescas.
Logo logo tudo é sombra.

As orquídeas.
Petroleiros passam deslizando.
É lua cheia.

Fortalezas medievais,
cidades desconhecidas, esfinges frias,
arenas vazias.

As folhas cochicham:
Um javali está tocando órgão.
E os sinos batem.

E a noite se desloca
de leste para oeste
na velocidade da lua.

Duas libélulas
agarradas uma na outra
passam e se vão

Presença de Deus.
No túnel do canto do pássaro
uma porta fechada se abre.

Carvalhos e a lua.
Luz e imagem de estrelas salientes.
O mar gelado.”

Trdução de Marta Manhães de Andrade

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Regresso

Ora já cá estou!Depois de tanto tempo até parece que fiz a Volta ao Mundo em 80 Dias! Não, caríssimos amigas e amigos. As férias foram só aquelas a que ainda vou tendo direito. O bloqueio deu-se na rentrée.Novas regras, novos procedimentos, mas sempre as mesmas "toneladas" de papel, as reuniões, os reencontros e os desencontros. Prontos! (só para rimar). Isto de se tocar vários instrumentos ao mesmo tempo sem desafinar requer tempo e paciência (que já vai faltando). Acrescem a esta vertigem as tróikas, os mercados, os contributos monetários, os apertos e os desalentos. Ah! estava-me a esquecer do Acordo, ortográfico,claro!
Ando a nove e estou feita num oito (e nem sou de Matemática, como uns e outros...).
Como me parecem distantes os dias de descanso, cujo ponto alto era a sesta com a minha Aurora. E ainda nem passou um mês. Enfim!
Mas já cá estou. Tive saudades disto. Não é que faça postes com grandes arroubos críticos ou palavras arrancadas às profundezas da alma, e este ano não foram muitas as produções, mas sempre é um cantinho meu, com uma sala de visitas bem frequentada por amigos que estimo. Obrigada a todos por me darem de vaia!
Fiquem, pois, com a Nina. Também eu faço uma fórcinha para me feel good.


segunda-feira, 4 de julho de 2011

BOAS FÉRIAS!

Matisse (da net)
Paisagem

Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.

Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.

Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno dessa praia.

E desejei: «Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!»

Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.

(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)


David Mourão-Ferreira, in "A Secreta Viagem"

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ai Lua, Lua!

Tão celebrada, tão cantada na poesia, daqui te saúdo!





Todos eles estão errados
A lua é dos namorados
Lua que no céu flutua
Lua que nos dá luar

Lua , oh lua
Lua , oh lua
Querem te passar pra trás
Lua , oh lua
Querem te roubar a paz
Lua , oh lua
Não deixa ninguém te pisar

Lua que no céu flutua
Lua que nos dá luar
Lua,oh lua
Não deixa ninguém te pisar


Todos eles estão errados
A lua é dos namorados

(letra de um velho êxito musical
de Ângela Maria e Aguinaldo Timóteo)

domingo, 15 de maio de 2011

Um rosto de palavras

Descobri este poema aqui e encantei-me com a beleza das palavras desta poetisa que desconhecia:

da net

escrever sobre um rosto é traçar numa tela a matéria do silêncio

como desenhar um rio inscrito na pele?

há palavras na boca que dizem a palavra, o início, há palavras que dizem pão,

há palavras no rosto há palavras há um rosto de palavras

na minha mão.


há uma fricção entre o rosto do mundo e o mundo do rosto

há a Voz de um rosto que resiste e revela por entre as mãos


há num rosto um olhar e um espelho,

um animal insubmisso, há uma substância mental

num rosto encontro um mapa de alianças, um fluxo de água

num rosto confluem poema e tempo

uma melodia de palavras em gestação



Poema de Gisela Ramos Rosa

sábado, 16 de abril de 2011

Tentativas

Muitas palavras me têm vindo à cabeça. Montes delas. Depois arrumam-se em meia dúzia de frases. Secas e banais. Não gosto, não me preenchem a parte do cérebro que ainda está vazio de preocupações e incertezas. A escrita que ocupava o tempo deixou de ter tempo para o ser. Bolas! Há demência  em demasia nas notícias, o quotidiano faz-se em corridas de obstáculos. Isto está mal, muito mal, ouve-se a cada instante. Mas afinal por onde anda a primavera das coisas boas?  Com esforço vamos vivendo, tentando encontrar as nossas pequenas felicidades, agarrando-nos aos pedacitos bons das coisas más. Bolas! Bolas! Bolas! Isto está a sair mais deprimente do que pensava. A intenção era boa, mas a tentativa está a sair falhada. Salvemos, pois, a intenção com palavras saídas de outras cabeças. Rasgue-se a teia e procure-se a alegria.

Até Amanhã

Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.


É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.

 
Eugénio de Andrade

segunda-feira, 21 de março de 2011

POESIA EM FESTA

Vidro Côncavo
António Gedeão


Tenho sofrido poesia
como quem anda no mar.
Um enjoo.
Uma agonia.
Saber a sal.
Maresia.
Vidro côncavo a boiar.

Doi esta corda vibrante
A corda que o barco prende
à fria argola do cais
Se uma onda que a levante
vem logo outra que a distende.
Não tem descanso jamais.


Solidão
Mia Couto

Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo


Motivo
Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E sei que um dia estarei mudo:
- mais nada




sexta-feira, 18 de março de 2011

Para Sempre


Por que Deus permite

que as mães vão-se embora?

Mãe não tem limite,

é tempo sem hora,

luz que não apaga

quando sopra o vento

e chuva desaba,

veludo escondido

na pele enrugada,

água pura, ar puro,

puro pensamento.


Morrer acontece

com o que é breve e passa

sem deixar vestígio.

Mãe, na sua graça,

é eternidade.

Por que Deus se lembra

- mistério profundo -

de tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do Mundo,

baixava uma lei:

Mãe não morre nunca,

mãe ficará sempre

junto de seu filho

e ele, velho embora,

será pequenino

feito grão de milho.



Carlos Drummond de Andrade

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A Cantiga é uma arma...



Parva que Sou

Sou da geração sem-remuneração
e nem me incomoda esta condição...
Que parva que eu sou...

Porque isto está mau e vai continuar
já é uma sorte eu poder estagiar
Que parva que eu sou....

e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar...

Sou da geração casinha-dos-pais
Se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou...

Filhos, marido, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou...

e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar...

Sou da geração vou-queixar-me-pra-quê?
Há alguém bem pior do que eu na TV
Que parva que eu sou...

Sou da geração eu-já-não-posso-mais-Que-esta-situação-d­ura-há-tempo-de-mais!
e parva eu não sou!!!

e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar...


Música e letra: Pedro da Silva Martins

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Dia de Reis


Nas torres, olhando os astros,
que viajam pelos céus,
Os Reis Magos viram rastros
do avatar de um grande Deus.

Leram em livros profundos,
que a Caldeia e Assíria têm,
que estava a descer dos mundos
um Deus a Jerusalém.

Cheios de assombro à janela,
mudos ficam os seus lábios!
De pé olhando uma estrela,
velam noites os reis sábios.

Não querem mais alimento,
nem com rainhas dormir.
Não tomam ao trono assento!
Não mais volvem a sorrir!

Somente olham, sem cessar,
a branca estrela brilhante
como o ceptro dominante
do rei que vai a reinar.

Abraçam a esposa amada.
Dão as chaves aos herdeiros.
Mandam vir seus escudeiros,
Os seus bordões de jornada.

Despejam os seus erários,
cheios de alvoroço imenso.
Carregam seus dromedários,
d´ouro, de mirra, de incenso.

Passam rios e cidades
cheias de estátuas guerreiras,
palácios, campos, herdades,
cisternas sob as palmeiras.

Seguem a luz do astro belo,
que as estradas lhes clareia,
até chegar ao castelo,
do rei que reina em Judeia.

Chegados ao rei cruel,
que de Herodes nome tem,
bradam: «O Rei de Israel
nasceu em Jerusalém?...»

Fica assombrado o Tetrarca,
Diz-lhes tal nova ignorar.
- «Mas, em nome da Santa Arca,
voltai, reis, ao meu solar!»

Seus olhos ficam sombrios:
vê perdido o seu tesouro,
soldados, terras, navios,
da Judeia o ceptro de ouro!

Tomam os reis seus bordões
Levantam as suas tendas.
Carregam as suas oferendas.
Demandam novas regiões.

Passam rios e cidades
cheias de estátuas guerreiras,
palácios, campos, herdades,
cisternas sob palmeiras.

Passam colinas, rebanhos,
campos de louras searas,
quando a lua faz desenhos
no chão das estradas claras.

Passam o quente areal
que a palmeira não conforta.
Eis que a estrela pára à porta
de um decrépito curral.

Descem dos seus dromedários,
cheios de pó os reis sábios.
Descarregam seus erários.
- Mas estão mudos seus lábios.

Rojam as barbas nevadas
Sobre o Deus que adormecera.
Com as mãozinhas rosadas
Da Mãe nos seios de cera.

Seus olhos sentem assombros
e nadam cheios de choro.
- Rasgam seus mantos de ombros.
- Dão-lhe mirra, incenso e ouro.

Esquecem sua nação
mais seus carros de batalha.
- Seus ceptros rolam na palha!
- Seus diademas no chão!

E erguendo seus olhos graves,
perguntam então – olhando
as pombas voando, em bando,
os aldeões, mais as aves:

«É este o rei dos senhores?
Tábua da Lei das rainhas?
Por archeiros – tem pastores.
Por pagens – as andorinhas.»

GOMES LEAL