terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Boas Festas

A todos os Amigos e Visitantes desejo


FELIZ
NATAL
e


BOM ANO 2010
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Agradeço, também, a simpatia dos vossos comentários aos quais, por razões várias não tenho podido responder. Espero que o novo ano me traga mais tempo para cuidar deste espaço!


Aqui vos deixo a minha prenda natalícia: Machado Soares e um Poema de Fernando Pessoa.


terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Para começar Dezembro

Dia de Natal

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros. coitadinhos. nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra. louvado seja o Senhor!. o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.


Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:

Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Eu sei que há...


Já por diversas vezes me dou em frente do computador, tentando actualizar este bocadinho de relax e descanso, mas nada sai. É certo que nestes dois últimos meses, os trinta dias de cada um não chegaram para as encomendas, isto é, foram poucos para o que apareceu para fazer. Mas também é verdade que estes períodos de muito trabalho já fazem parte da família e nunca se fizeram acompanhar desta apatia que se me tem enrolado como cachecol à volta do pescoço.
Fervilha a cabeça com as notícias diárias da gripe, do banco, melhor, dos bancos, das vacinas, dos julgamentos sem fim à vista, dos assaltos violentos, das grávidas sem vacina, dos padres com armas a enfeitar os altares exauridos de fé, talvez perdida nas filas intermináveis nos centros de (des)emprego, outra vez da gripe, outra vez dos bancos, dos mil, mil, milhões que voam e os coitados que não sabiam de nada... ufa!
Fervilha a minha cabeça, rolam os ohos, mas os dedos recusam a escrever. Ora bolas! Queria encontrar coisas boas para escrever sobre, mas não descortino, assim de momento.

Claro que tenho a minha Aurora, mas não a quero ainda nestas andanças da net, com fotos de todos e mais alguns passos, de beijinhos e mais inhos. O tempo dela chegará com mais modernices tecnológicas, quiçá até escrever só com o pensamento.

Eu sei que há algumas coisas boas por aí que merecem umas linhas. São poucas, sim. Vou descobrir e pode ser que ainda antes do Natal eu as derrame aqui neste bocadito, para relaxar e descansar de novo.

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Mesmo agora descobri um coisa novinha em folha: hoje é o Dia Mundial do Café!!!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Homem das Castanhas

Na Praça da Figueira,
ou no Jardim da Estrela,
num fogareiro aceso é que ele arde.
Ao canto do Outono,à esquina do Inverno,
o homem das castanhas é eterno.
Não tem eira nem beira, nem guarida,
e apregoa como um desafio.

É um cartucho pardo a sua vida,
e, se não mata a fome, mata o frio.
Um carro que se empurra,
um chapéu esburacado,
no peito uma castanha que não arde.
Tem a chuva nos olhos e tem o ar cansado
o homem que apregoa ao fim da tarde.
Ao pé dum candeeiro acaba o dia,
voz rouca com o travo da pobreza.
Apregoa pedaços de alegria,
e à noite vai dormir com a tristeza.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais calor p'ra casa.

A mágoa que transporta a miséria ambulante,
passeia na cidade o dia inteiro.
É como se empurrasse o Outono diante;
é como se empurrasse o nevoeiro.
Quem sabe a desventura do seu fado?
Quem olha para o homem das castanhas?
Nunca ninguém pensou que ali ao lado
ardem no fogareiro dores tamanhas.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais amor p'ra casa.

Letra: Ary dos Santos
Canta: Carlos do Carmo

domingo, 25 de outubro de 2009

Humildade

Amador sem coisa amada

Resolvi andar na rua
com os olhos postos no chão.
Quem me quiser que me chame
ou que me toque com a mão.


Quando a angústia embaciar
de tédio os olhos vidrados,
olharei para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.

Amador sem coisa amada,
aprendiz colegial.
Sou amador da existência,
não chego a profissional.

António Gedeão

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Do Amigo Jorge recebi esta sua produção e ele não me levará a mal por a ter aqui colocado.

Como diria o outro, aguardemos os factos com serenidade e consideremos o benefício da dúvida. Quando se começa logo com uma mentirinha, há que arrumar bem as ideias e o discurso para não haver mais do mesmo.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Liberdade

São letras somadas noutra língua mas a mensagem é universal.
Mercedes Sosa foi a primeira a cantar estas palavras numa homenagem a Violeta Parra. Ambas já partiram.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me dio dos luceros, y cuando los abro,
perfecto distingo lo negro del blanco,
y en el alto cielo su fondo estrellado,
y en las multitudes al hombre que yo amo.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me ha dado el odo que, en todo su ancho,
graba noche y da ros y canarios
martillos, turbinas, ladridos, chubascos,
y la voz tan tierna de mi bien amado.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto,
me ha dado el sonido y abecedario.
Con l las palabras que pienso y declaro,
"padre,", "amigo," "hermano," y est alumbrando
la ruta del alma del que estoy amando.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me ha dado la marcha de mis pies cansados.
Con ellos anduve ciudades y charcos,
valles y desiertos, montaas y llanos,
y la casa tuya, tu calle y tu patio.
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazn, que agita su marco.
Cuando miro el fruto del cerebro humano,
cuando miro al bueno tan lejos del malo.
Cuando miro el fondo de tus ojos claros.
Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado la risa, me ha dado el llanto.
As yo distingo dicha de quebranto,
todos materiales que forman mi canto,
y el canto de ustedes que es es mismo canto.
y el canto de ustedes que es mi propio canto.

sábado, 26 de setembro de 2009

Para a minha Telma

Romance ingénuo de duas linhas paralelas

Duas linhas paralelas
Muito paralelamente
Iam passando entre estrelas
Fazendo o que estava escrito:
Caminhando eternamente de infinito a infinito
Seguiam-se passo a passo
Exactas e sempre a par
Pois só num ponto do espaço
Que ninguém sabe onde é
Se podiam encontrar
Falar e tomar café.
Mas farta de andar sozinha
Uma delas certo dia
Voltou-se para a outra linha
Sorriu-lhe e disse-lhe assim:
“Deixa lá a geometria
E anda aqui para o pé de mim…!
Diz a outra: “Nem pensar!
Mas que falta de respeito!
Se quisermos lá chegar
Temos de ir devagarinho
Andando sempre a direito
Cada qual no seu caminho!”
Não se dando por achada
Fica na sua a primeira
E sorrindo amalandrada
Pela calada, sem um grito
Deita a mãozinha matreira
Puxa para si o infinito.
E com ele ali à frente
As duas a murmurar
Olharam-se docemente
E sem fazerem perguntas
Puseram-se a namorar
Seguiram as duas juntas.
Assim nestas poucas linhas
Fica uma estória banal
Com linhas e entrelinhas
E uma moral convergente:
O infinito afinal
Fica aqui ao pé da gente.

José Fanha


O Nicolae, que faz o favor de ser meu amigo, mandou-me este poema do José Fanha.
Por ser tão encantadoramente simples e puro, partilho-o com a minha Telma, que faz anos hoje.


PARABÉNS!!!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Outono



Em uma Tarde de Outono


Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol...


Olavo Bilac, in "Poesias"
foto da net

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Carta aos meus filhos

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse “com suma piedade e sem efusão de sangue.”
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam “amanhã”.
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

Jorge de Sena

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Adeus Férias!!!

Bom, e já acabaram as férias!!!
Este ano, as minhas foram diferentes , divertidas, cheias de carinho e mimos. A minha Aurora encarregou-se do programa das festas!
A todos os amigos que por aqui foram passando um grande Obrigada!
E como nem só de sol e praia vive este Algarve, de mar e céu azul, deixo um apontamento do belíssimo Palácio de Estoi, situado em Faro, na freguesia de Estoi.

O Palácio de Estoi, é um pastiche rococó, único na região.


A obra, dirigida pelo arquitecto Domingos da Silva Meira, foi ideia de um nobre local, Fernando Carvalhal de Vasconcelos, filho de Francisco José de Carvalhal e Vasconcelos (proprietário da Casa das Açafatas em Faro ), que morreu pouco depois do inicio da construção, em meados dos anos de 1840.Uma outra personalidade local, José Francisco da Silva, feito Visconde de Estoi, adquiriu o palácio e completou-o em 1909.

O palácio tem também uns jardins , no estilo Versalhes, com laranjeiras e palmeiras, que condizem com o seu alegre estilo rococó. O terraço inferior exibe um pavilhão e azulejos azuis e brancos, a Casa da Cascata, no interior da qual se encontra uma cópia das Três Graças, de Canova. O terraço superior, o Patamar da Casa do Presépio, tem um grande pavilhão com vitrais, fontes decoradas com ninfas e nichos em azulejos.


Em 1977 foi classificado como Imóvel de Interesse Público e actualmente é uma
Pousada.
(O texto é da wikipedia e as fotos são da autoria de Gabriel Cavaleiro)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Ao Maior...


Raúl Solnado


Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Fernando Pessoa
foto da net

domingo, 2 de agosto de 2009

Calores de Agosto

Poesia de Agosto

Foi em Agosto que descobri
O sabor das ondas nos teus olhos

O teu corpo húmido de maresia
Espraiando no perfil moreno do sol
Todo o êxtase viril que de ti vinha
Foi em Agosto que descobri em ti
O azul matizado do céu
O colorido do poente brincando em mim
Todo o sonho dos peixes
Fechados nas nossas mãos
Sonho porque te quero sonhar
E deixa-me dizer-te
Porque senão eu choro
Eu sou o espaço... Uma dádiva...
Vem porque é Agosto
E quero cantar-te...


Ana Júlia Monteiro Macedo Sança



Paraíso


Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.
Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!
Depois, podes partir.
Só te aconselho que acendas,
para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...
Podes partir.
De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.

David Mourão-Ferreira



Madrigal XVIII
(Suave Agosto as verdes laranjeiras)


Suave Agosto as verdes laranjeiras
Vem feliz matizar de brancas flores,
Que, abrindo as leves asas lisonjeiras,
Já Zéfiro respira entre os Pastores
Nova esperança alenta os meus ardores
Nos braços da ternura.
Ó dias de ventura,
Glaura vereis à sombra das mangueiras!
Suave Agosto as verdes laranjeiras
Co'a turba dos Amores
Vem feliz matizar de brancas flores.

Silva Alvarenga
Publicado no livro Glaura: poemas eróticos de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, bacharel pela Universidade de Coimbra e professor de retórica no Rio de Janeiro. Na Arcádia, Alcindo Palmireno (1799).

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Fim de Julho

E este interminável mês de Julho chegou ao fim! Uff!
Agora está tudo em ordem e preparo-me para descansar... se conseguir. Muito sol, muito calor, muita areia, muita água azul, mas também muitas toalhas, guarda-sóis, protectores, sumos, iogurtes, fraldas... e o que mais adiante vier.



Agora uma lembrancinha para a minha velhota de 86 anos, ainda que já tenha passado o Dia dos Avós:




Balada para uma velhinha


Num banco de jardim uma velhinha
está tão só com a sombrinha
que é o seu pano de fundo.
Num banco de jardim uma velhinha
está sozinha, não há coisa
mais triste neste mundo.
E apenas faz ternura, não faz pena,
não faz dó,
pois tem no rosto um resto de frescura.
Já coseu alpergatas e
bandeiras verdadeiras.
Amargou a pobreza até ao fundo.
Dos ossos fez as mesas e as cadeiras,
as maneiras
que a fazem estar sentada sobre o mundo.
Neste jardim ela
à trepadeira das canseiras
das rugas onde o tempo
é mais profundo.
Num banco de jardim uma velhinha
nunca mais estará sozinha,
o futuro está com ela,
e abrindo ao sol o negro da
sombrinha poidinha,
o sol vem namorá-la da janela.
Se essa velhinha fosse
a mãe que eu quero,
a mãe que eu tinha,
não havia no mundo outra mais bela.
Num banco de jardim uma velhinha
faz desenhos nas pedrinhas
que, afinal, são como eu.
Sabe que as dores que tem também são minhas,
são moinhas do filho a desbravar que Deus lhe deu.
E, em volta do seu banco, os
malmequeres e as andorinhas
provam que a minha mãe nunca morreu.



Ary dos Santos
foto da net

sábado, 18 de julho de 2009

Homem na Lua


Há 40 anos, o Homem pisou pela primeira vez o solo da Lua.
Neil Armstrong, comandante da missão Apollo 11, foi o primeiro ser humano a pisar na superfície lunar. A caminhada de duas horas, que partilhou depois com Edwin 'Buzz' Aldrin, foi seguida por milhões de espectadores pela televisão em todo o mundo.
A frase “Este é um pequeno passo para um homem, mas um enorme salto para a humanidade”( Neil Armstrong) resumiu, nesse dia 20 de Julho de 1969, a realização de um dos mais gloriosos feitos da História da Humanidade.

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Melancolia
Oh dôce luz! oh lua!
Que luz suave a tua,
E como se insinua
Em alma que fluctua
De engano em desengano!
Oh creação sublime!
A tua luz reprime
As tentações do crime,
E á dôr que nos opprime
Abres-lhe um oceano!
É esse céo um lago,
E tu, reflexo vago
D'um sol, como o que eu trago
No seio, onde o afago,
No seio, onde o aperto?
Oh luz orphã do dia!
Que mystica harmonia
Ha n'essa luz tão fria,
E a sombra que me guia
N'este areal deserto!
Embora as nuvens trajem
De dia outra roupagem,
O sol, de que és imagem,
Não tem essa linguagem
Que encanta, que namora!
Fita-te a gente, estuda,
(Sem mêdo que se illuda)
Essa linguagem muda...
O teu olhar ajuda...
E a gente sente e chora!
Ah! sempre que descrevas
A orbita que levas,
Confia-me o que escrevas
De quanto vês nas trevas,
Que a luz do sol encobre!
As victimas, que escutas,
De traças mais astutas
Que as d'essas féras brutas...
E as lastimas, as luctas
Da orphã e do pobre!
João de Deus, in 'Ramo de Flores'

sábado, 4 de julho de 2009

Grande Bocage

Conformando-se com os reveses da Sorte

Se o Destino cruel me não consente
Que o ferro nu brandindo, irado e forte,
Lá nos horrendos campos de Mavorte,
De loiros imortais guarneça a frente;

Se proíbe que, em sólio refulgente,
Faça os povos felizes, de tal sorte,
Que o meu nome, apesar da negra Morte,
Fique em padrões e estátuas permanente;

Se as suas ímpias leis inexoráveis
Não querem que os mortais em alto verso
Cantem de mim façanhas memoráveis,

Submisso à má ventura, ao fado adverso,
Ao menos por desgraças lamentáveis
Terei perpétua fama no Universo.

domingo, 21 de junho de 2009

Avaliação


O dono de um talho foi surpreendido pela entrada de um cão dentro da loja. Ele enxotou-o mas o cão voltou logo de seguida. Novamente ele tentou espantá-lo mas reparou que o cão trazia um bilhete na boca. Ele pegou o bilhete e leu:
- Pode mandar-me 12 salsichas e uma perna de carneiro, por favor?
O cão trazia também dinheiro na boca, uma nota de 50 euros. Ele pegou no dinheiro, pôs as salsichas e a perna de carneiro num saco e colocou-o na boca do cão. O talhante ficou realmente impressionado. Como já estava na hora, decidiu fechar a loja e seguir o cão.
Este começou a descer a rua e quando chegou ao cruzamento depositou o saco no chão, pulou e carregou no botão para o sinal ficar verde. Atravessou a rua e caminhou até uma paragem de autocarro, sempre com o talhante a segui-lo. Na paragem, o cão olhou para o painel dos horários e sentou-se no banco, esperando o autocarro. Quando um autocarro chegou, o cão foi até à frente para conferir o número e voltou para o seu lugar. Outro autocarro chegou e ele tornou a olhar, viu que aquele era o número certo e entrou. O talhante, boquiaberto, seguiu o cão. Mais adiante o cão levantou-se, ficou em pé nas duas patas traseiras e carregou no botão para mandar parar o autocarro, tudo isso com as compras ainda na boca.
O talhante e o cão foram caminhando pela rua quando o cão parou à porta de uma casa e pôs as compras no passeio. Então virou-se um pouco, correu e atirou-se contra a porta. Tornou a fazer o mesmo mas ninguém respondeu. Então contornou a casa, pulou um muro baixo, foi até à janela e começou a bater com a cabeça no vidro várias vezes. Caminhou de volta para a porta e, de repente, um tipo enorme abriu a porta e começou a espancar o bicho.
O talhante correu até ao homem e impediu-o dizendo:
"Deus do céu homem, o que é que você está a fazer? O seu cão é um génio!"
O homem respondeu:
"Um génio??? Esta já é a segunda vez, esta semana, que este cão estúpido se esquece da chave!".

Moral da história ??

Podes continuar a exceder as expectativas, mas... a tua avaliação depende sempre da competência de quem avalia.
Quanto a isso... nada podes fazer!
(Recebido por e-mail)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Olá, cá estou eu...

Estava a ver que não conseguia arranjar um buraquinho e um tempinho para vir ao blog!
Isto, a ausência, quando a gente não está habituada, é difícil! Dez dias arredada desta janela, sem ver passar ninguém, sem poder, ao menos, acenar, aumentou-me o fascínio que esta grande rua me desperta. Falo em ruas, porque estou a escrever com as marchas de Lisboa por fundo e isto traz-me à memória outras festas populares e bailes de rua de quando era menina e moça! Ah! Porto, Porto, quantos martelinhos, quantos bailaricos, quantas piscadelas de olho!...
Bem retornemos a esta janela. Ia eu dizendo que esta ausência foi difícil. Quase me senti uma avestruz, que estes vinte dias foram de muito trabalho. Provas e mais provas. Testes e mais testes. Grelhas, grelhas, grelhas. Mas o pior já lá vai. Agora nesta relativa calmaria, o trabalho já retomou a sua normalidade e a rotina já se vai sentando, de novo, ao meu lado.
Ah! Já me ia esquecendo. No meio de tanta correria, papel e grelhas, ainda arranjámos tempo para mais uma tertúlia gastronómico-literária do “Clube dos Leitores sem Tempo”. Desta vez o tema foi “Poesia, aqui e agora”, antecedido por um repasto dito ligeiro que começou nos pãezinhos indianos recheados, amparados numas coxas de frango mergulhadas em cereais e acabou com umas espetadas de frutas.
Lidas as poesias do gosto de cada um e discutidas as perspectivas dos seus autores, o encontro acabou com um “cadáver-esquisito” de palavras que originou este poema:


Vi os teus olhos durante um pássaro lento que atravessou o céu e desapareceu
Atrás da nuvem branca, o vento ensaia um cinzento sorriso
Sorriso que me embala o espírito
Sorriso que me envolveu e fez caminhar olhando o horizonte sem fim, sonhando e
Vivendo se ama e se morre
Morre, ó vil vontade de desistir, e persiste, vontade de vida plana foi esta tertúlia, que me encheu a alma como há
Muito dei de mim, muito procurei em ti, mas tudo deixei para vós que aqui viestes
Esquecei a dor, a angústia, a solidão mas vive sempre, sorri e lembra-te de mim, hoje
Sem ti nada sou. Hoje faltaste-me. Amanhã é incerto e os pássaros
Continuarão os sentimentos, mas não em vão…

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A Paixão da Leitura

Ainda não me recompus totalmente do estado de êxtase em que fico sempre que tenho de utilizar o Manual do Aplicador. Ter nas mãos um guião deste teor, que nos ausenta e isenta de preocupações de interpretação ou explicação e que nos coloca num papel de personagem central de um monólogo, representa o corolário das aspirações de quem sonha com a metafórica realidade profissional adaptada aos palcos da vida. Com ele e através dele, realizo-me no acto da leitura, pura, sem artifícios, que serve, na estrita medida, os fins a que se destina. Acho que é obra única, pois não tenho conhecimento que haja algo de semelhante em outras profissões ou áreas… a não ser os missais litúrgicos da religião católica.
Bem, agora que partilhei nestes poucas linhas o que me ia cá dentro, já me sinto mais aliviada! Creio que já recuperei a energia que tardava em reacender e que muita falta me vai fazer. É que eu sou uma moça de emoções fortes: vivo-as intensamente e desgastam-me na mesma proporção. Depois tenho que partir para uma reciclagem mental e sacudir os pensamentos que porventura venham eivados de ressentimentos antigos e degustações dolorosas. É um círculo. São ciclos contínuos.
Assim, feita esta catarse, liberto-me e fico prontinha para assimilar, nas próximas semanas, outra obra de grande valor intrínseco: o Manual do Corrector!

domingo, 17 de maio de 2009

Letras de Futebol

Não vou muito à bola com o futebol, mas como o meu amigo João André ainda me me marcava um grande fora de jogo se não falasse disto, cá vai!O Sporting Clube Olhanense subiu à Primeira Divisão (acho que ainda é assim). Grande Clube nacional em épocas recuadas, andou arredado da ribalta futebolística durante 36 anos!
Para celebrar este feito, recordo a grande equipa dos anos quarenta, na pena de um autor olhanense, Leonel Maria Baptista:



Isso porque
O Sporting Clube Olhanense,
além do seu recente passado glorioso,
possuía nessa época
uma equipa de grande expressão,
cujo futebol arte
-duma beleza sem igual-
fazia enorme sensação
Pelos estádios de Portugal…
E ganhar-lhe no seu reduto
não representava para qualquer “onze”
- nem mesmo considerado grande –
uma tarefa comesinha,
a não ser quando facilitada
por juízes corruptos ou à toa
como o famigerado Palhinha
a quem o Joaquim Paulo
quase fez engolir o apito
numa partida com o “Sporting de Lisboa”.
Era, de facto, um grupo aguerrido e valoroso
Esse Olhanense dos meus tempos de menino
Cuja retaguarda
A todos entusiasmava e fazia vibrar com:
As sensacionais defesas do Abraão;
As cabeças em mergulho
Do João Rodrigues – “O Submarino” –
E as vigorosas entradas do Nunes – “O Ginjão” –.
Se a defensiva desse “onze" glorioso
Era firme e valente,
Não o era menos
O trio dinâmico e voluntarioso
Posicionado à sua frente,
em que, recuado no centro,
actuava o destemido e elástico Loulé,
a quem a moçanhada chamava
de “Boneco do borracha
pois mal caía no chão
logo se punha de pé
prontinho para o vai ou racha…
Os outros dois integrantes do trio
- que pugnavam mais avançados
Na área intermédia de disputa –
Eram:
O excelente e denodado Grazina
- um grande e incansável guerreiro
Que jamais se negava à luta –
E o calmo e pendular João dos Santos
Que sempre se dava ao jogo por inteiro.
Era, todavia, a linha atacante
A que aos adeptos mais empolgava,
Quer pela enorme capacidade operante,
Quer pelo futebol alegre e vistoso
Que tão primorosamente praticava.


Jogadas de categoria extra,
Só próprias de grandes virtuosos,
Como tantas, de enorme tecnicismo e beleza,
Do Joaquim Paulo e do João Palma.

Tanto assim era
Que o Cabrita e o Salvador,
Dois goleadores eméritos,
Chegaram a envergar a “camisa das quinas”
Não, como tantos outros, por favor,
Mas por reais e reconhecidos méritos
Que também eram apanágio
do Palmeiro e do Moreira,

Quando esse grupo fabuloso ganhava,
O que era absolutamente normal,
Todos se sentiam invadidos
Por uma enorme alegria
Que a moçanhada exteriorizava
Com calorosos joguinhos de bola
Até escurecer o dia.

Como eles
Eu também joguei à bola
Pelos campos e larguinhos de Olhão,
Desde o Largo do Zé do Cerro até ao da Feira

Porque para mim, jogar futebol
Era apenas a minha melhor brincadeira.

foto - Raminhos Pinho, SCO, 90 Anos de História
Texto: Leonel Maria Baptista, A Vila de Olhão da Minha Recordação


quinta-feira, 14 de maio de 2009

Sorriso de alegria...

Depois de alguns dias em baixo de forma e de algumas tentativas de reanimação moral e física, aqui deixo uma notícia que me deixou com um sorriso de orelha a orelha:

História de Olhão vai ser editada em BD
A obra foi criada por José Garcês, histórico da BD nacional
“História de Olhão em BD”, assim se vai chamar a obra de banda desenhada da autoria de José Garcês editada pelo Município de Olhão. Com lançamento marcado para o próximo dia 18 de Maio, às 19h00, na Biblioteca Municipal de Olhão, este livro surge no âmbito das comemorações dos 200 anos da elevação de Olhão a Vila e da revolta contra as tropas napoleónicas.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Rir

No meio de tantos dias Internacionais, Mundiais, Nacionais e Locais, que celebram tudo e mais alguma coisa, há um em particular que me muito me apraz e que registo com satisfação. Foi comemorado ontem. Falo do Dia Mundial do Riso.
Sim, ontem foi dia de rir, rir, rir muito. De quê? Amigos, de tudo, a começar de nós próprios.
Embora a sabedoria popular nos diga que muito riso pouco siso ou o rir ou o zombar não há-de passar de brincar, ela também reconhece que a rir muitas verdades se dizem e que tristezas não pagam dívidas.
Aqui há uns anos trabalhei com uma senhora natural do norte da Europa que apontava como razão principal da sua fixação no nosso país o facto de sermos risonhos e bem dispostos, coisa que não acontecia no seu país de origem onde, segundo ela, as pessoas eram, no geral, sombrias e pouco dadas ao riso. Porém, há outros povos que o exaltam como forma de manter o corpo e a mente em bom estado de consumo: rir mexe com dezenas de músculos e alivia as preocupações e tensões diárias. Era neste argumento que se baseava o dr. Louro, quando nos fazia dar umas boas gargalhadas no início de cada aula de teatro.
Presentemente, com a crise económica, o desemprego galopante e a gripe A , não temos muitos motivos para rir ou sorrir sequer, mas, mesmo assim, não conseguimos apagarmo-nos de todo. As televisões frequentemente nos presenteiam com apanhados de situações risíveis ou ridículas, os cartoonistas dos jornais fixam no papel algum momento político que nos faz sorrir e, em último caso, temos sempre à mão aquele amigo impagável que tem um anedotário em três volumes e o despeja com a bica da manhã.
Rir faz bem. Eu rio muito. Às vezes até às lágrimas. Porque o choro e o riso têm uma fronteira ténue e se o poeta já dizia que ria para não chorar, então rir é a melhor alternativa.


Gargalhada
Homem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira,
e escuta o ritmo
e o som da minha gargalhada:
Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!
Não vês?
É preciso jogar por escadas de mármore baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras...
O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.
Mas é preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lâmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trémulas...
Escuta bem:
Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!
Só de três lugares nasceu até hoje esta música heróica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.
Cecília Meireles, in 'Viagem'

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Outras Palavras

Cantiga de Maio

Trago dentro da garganta
As letras do teu nome
Quando um homem se levanta
Grita fúria em vez de fome
Só a força das palavras
Fez do medo esta verdade
Quando é teu o chão que lavras
O arado é liberdade

Meu país vontade corcel de saudade vencida
Meu povo em viagem ganhando a coragem perdida
Meu trigo meu canto meu maio de espanto doendo
Meu abril tão cedo tão tarde meu medo morrendo
Meu amor ausente meu beijo por dentro queimado
Num tempo tão lento tardamos no vento até quando
Até quando?

Trago as palavras desertas
Na canção que eu inventei
E nas duas mãos abertas
Estas veias que rasguei
Por isso o meu sangue corre
Na seiva da primavera
Sou um homem que não morre
Sou um povo que não espera

Meu país vontade corcel de saudade vencida
Meu povo em viagem ganhando a coragem perdida
Meu trigo meu canto meu maio de espanto doendo
Meu abril tão cedo tão tarde meu medo morrendo
Meu amor ausente meu beijo por dentro queimado
Num tempo tão lento tardamos no vento até quando
Até quando?

Joaquim Pessoa

sábado, 25 de abril de 2009

35 Anos de Abril


CANTIGA DE ABRIL
Às Forças Armadas e ao povo de Portugal
«Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade»
J. de S.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
reinaram neste pais,
e conta de tantos danos,
de tantos crimes e enganos,
chegava até à raiz.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Tantos morreram sem ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Essa paz de cemitério
toda prisão ou censura,
e o poder feito galdério.
Sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigração medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.
Qual a cor da liberdade?
É verde. verde e vermelha.
Essas guerras de além-mar
gastando as armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por politica demente.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
só miséria sem segundo,
só desespero fatal.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
Durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Saem tanques para a rua,
sai o povo logo atrás:
estala enfim altiva e nua,
com força que não recua,
a verdade mais veraz.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

26-28(?)/4/1974
Obras de Jorge de Sena
"40 anos de servidão"
Edições 70 1989

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Canção do novo protesto


Hoje as minhas letras são de descontentamento!
Do meu baú de recortes fui tirar este cartoon. Passados 35 anos, o nosso papel continua a ser semelhante, com a agravante de que ,agora, nem para o papel ganhamos!
Estamos, meus amigos, como diz esta canção de protesto dos tempos modernos:
..............................
Sem Eira nem Beira
Anda tudo do avesso
Nesta rua que atravesso
Dão milhões a quem os tem
Aos outros um "passou bem"
Não consigo perceber
Quem é que nos quer tramar
Enganar, despedir
Ainda se ficam a rir
Eu quero acreditar
Que esta merda vai mudar
E espero vir a ter uma vida bem melhor
Mas se eu nada fizer
Isto nunca vai mudar
Conseguir encontrar mais força para lutar
Mais força para lutar
Mais força para lutar
Mais força para lutar
Senhor engenheiro
Dê-me um pouco de atenção
Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Não tenho eira nem beira
Mas ainda consigo ver
Quem anda na roubalheira
E quem me anda a comer
É difícil ser honesto
É difícil de engolir
Quem não tem nada vai preso
Quem tem muito fica a rir
Ainda espero ver alguém
Assumir que já andou
A roubar, enganar
O povo que acreditou
Conseguir encontrar mais força para lutar
Conseguir encontrar mais força para lutar
Mais força para lutar
Mais força para lutar
Senhor engenheiro
Dê-me um pouco de atenção
Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Não tenho eira nem beira
Mas ainda consigo ver
Quem anda na roubalheira
E quem me anda a f***r
Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Mas eu sou um homem honesto
Só errei na profissão
Senhor engenheiro
Dê-me um pouco de atenção
Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Não tenho eira nem beira
Mas ainda consigo ver
Quem anda na roubalheira
E quem me anda a...
Senhor engenheiro
Dê-me um pouco de atenção
Dê-me um pouco de atenção
Xutos & Pontapés

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Aniversário


Faz hoje 1 ano que iniciei este blog.
1º aniversário, 1º balanço. Positivo.
Tem sido um bom espaço de aprendizagem, onde abro as portas à amizade e viajo para outros espaços, fantásticos, divertidos.
Neste ínfimo ponto da blogosfera, faço a minha terapia de renovação de saberes, opiniões e perspectivas. Pena é não ter mais tempo para fazer mais posts.
A todos aqueles que têm passado por aqui, comentando ou não, o meu MUITO OBRIGADA!




Em certa ocasião alguém perguntou a Galileu Galilei:
- Quantos anos tens?
- Oito ou dez, respondeu Galileo, em evidente contradição com sua barba branca.
E logo explicou:
-Tenho, na verdade, os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais.


imagem e itálico da net

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Palavras de Abril (1)


Arte Poética

Que o poema tenha carne
Ossos, vísceras, destino,
Que seja pedra e alarme
Ou mãos sujas de destino

Que venha, corpo e amante,
e de amante seja irmão
que seja urgente e instante
como um instante de pão

Só assim será poema
Só assim será razão
Só assim te vale a pena
Passá-lo de mão em mão

Que seja rua ou ternura
Tempestade ou manhã clara
Seja arado e aventura
Fábrica terra e seara

Que traga ruas e vinho
Berços, máquinas, luar,
Que faça um barco de pinho
E deite um barco ao mar.

José Jorge Letria


Imagem: recorte de jornal do meu baú

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Páscoa


A todos os Amigos e Visitantes desejo uma
PÁSCOA FELIZ!


Na minha cidade de Olhão, debruçada sobre a Ria Formosa, as tradições já não são o que eram, como aliás quase em toda a parte. No entanto, algumas ainda persistem.

Pela Páscoa faz-se o Folar de Folhas





e arma-se a Vila de Amêijoas


Outras tradições se foram perdendo na pressa dos dias, nos horários de trabalho e nas modas, como o piquenique no Cerro da Cabeça, em Moncarapacho, que se fazia na 2ªFeira a seguir ao Domingo de Páscoa. Famílias e grupos de amigos espalhavam-se pelo Cerro, com o farnel e a música e ali passavam o dia. Cada terra com seu uso...

NON EST HIC

Pediram-lhe prodígios e benesses,
Como aos outros Rabis, ou feiticeiros.
Mas o pior foi que, sob esses,
Mataram seus milagres verdadeiros.

(…)

Na cruz infame O ergueram moribundo
Entre os dois justiçados desse dia.
Tremia a máquina do mundo
Quando, invocando o Pai, Ele desfalecia…

Tremia a máquina do mundo, e trevas
Caíram sobre a terra, e o sol baixara,
Quando Ele se extinguiu, perante as levas
Da soldadesca ignara.

Espetaram-lhe a lança, - estava morto,
Sangue manou, com água, dessa chaga…
Mas o pior é que, para nosso conforto,
Já tudo a Pia de água benta alaga!

No sepulcro O fecharam, e lhe deram
Guardas, - para impedir a sua Ressurreição.
Nada os guardas fizeram,
Que adormeceram, e Ele abriu a pedra do caixão.

Mas o pior foi que, ressuscitado,
Depois das mil sessões dum Teológico Processo,
Fizeram de Ele um Trino abstracto e complicado,
Ou um coração-de-Jesus gesso.

(…)

Mas o pior foi quando, não descrentes,
Sobre dogmas e incenso O ergueram no seu sólio,
E, nos degraus sentando-se, imponentes,
Fizeram de Ele monopólio.

Perdoa-lhes, Jesus! Não sabem o que fazem.
Rodam em dédalos sem fulcro…
Ou nunca mais virás, aos limbos em que jazem,
Quebrar, não já o teu, mas sim o seu sepulcro.

José Régio

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Palavras de Abril

E já é Abril. E já lá vão 35 anos. Muitas coisas já não fazem sentido. Mas muitas mais coisas ainda fazem muito sentido...
Como na memória do passado se desenha o presente e se perspectiva o futuro, vou chamar para aqui as palavras e os poemas de Abril. Começo com

Canção do Vento
Francisco Fanhais
O sol se levanta e se põe
O vento gira e sopra, sopra e vem
O rio ao mar e o mar não enche
E tu só queres agarrar o vento.
Olhei o que se faz debaixo do sol
Tudo é vaidade e tempo perdido
O que falta contar não se pode
E tu só queres agarrar o vento.
Há tempo para tudo na terra
Tempo para nascer, tempo para morrer
Matar, destruir e chorar
Viver, construir e sorrir
Gemer, beijar e perder
Dançar, encontrar e amar
Para a guerra e para a Paz
E tu só queres agarrar o vento
(Bíblia/adap. Pedro Lobo Antunes)
Fonte: Cancioneiro de Abril
org. João Viale Moutinho

segunda-feira, 30 de março de 2009

Livros e Tempo

A falta de tempo é uma das lamentações dos nossos dias. E nestes últimos dias tenho-me lamentado muito. Em casa, foram mudanças, arrumações, papéis e mais papéis. No trabalho, arrumações, reuniões, papéis e mais papéis. Nesta amálgama sem tempo para o tempo de que mais gosto, que é o de ler, encontrei este texto de Baptista-Bastos.


Estava rodeado de livros. Nascera rodeado de livros.O pai, bibliotecário tomara a mãe de assalto entre livros, no silêncio de uma tarde distantíssima. A mãe era uma das mulheres que anotava, numa secretária junto da janela, os nomes daqueles que consultavam livros.O pai vigiava aqueles que consultavam livros.
Entre livros, a mãe teve dores; entre livros rebentaram-se-lhe as águas; entre livros pariu-o.
Entre livros cresceu, viveu, trabalhou. Não sabia de outra coisa senão de livros.
Os livros começaram a aborrecer-se do homem dos livros. E, um dia, todas as palavras soltaram-se em letras, as letras envolveram-no, as letras comeram-no em silêncio, em silêncio, em silêncio, no silêncio dos livros mudos.


Baptista-Bastos , 1993
Imagem da net

sábado, 21 de março de 2009

Dia da Poesia

Mas o que vou dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu?
Olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo, e nada mais.
Compreenderás que um poeta não pode dizer nada da poesia.
Isso fica para os críticos e professores.
Mas nem tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia. (Garcia Lorca)

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Tempo de Poesia

Todo o tempo é de poesia

Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.

Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia

Todo o tempo é de poesia

Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.

António Gedeão


Soneto imperfeito da caminhada perfeita

Já não há mordaças,nem ameaças,nem algemas
que possam perturbar a nossa caminhada,
em que os poetas são os próprios versos dos poemas
e onde cada poema é uma bandeira desfraldada.

Ninguém fala em parar ou regressar.
Ninguém teme as mordaças ou algemas.
- O braço que bater há-de cansar
e os poetas são os próprios versos dos poemas.

Versos brandos...Ninguém mos peça agora.
Eu já não me pertenço: Sou da hora.
E não há mordaças,nem ameaças,nem algemas

que possam perturbar a nossa caminhada,
onde cada poema é uma bandeira desfraldada
e os poetas são os próprios versos dos poemas.

Sidónio Muralha



Afirmas que brigámos

Afirmas que brigámos. Que foi grave.
Que o que dissemos já não tem perdão.
Que vais deixar aí a tua chave
e vais à cave içar o teu malão.

Mas como destrinçar os nossos bens?
Que livro? Que lembrança? Que papel?
Os meus olhos, bem vês, és tu que os tens.
Não te devolvo - é minha - a tua pele.

Achei ali um sonho muito velho,
não sei se o queres levar, já está no fio.
E o teu casaco roto, aquele vermelho
que eu costumo vestir quando está frio?

E a planta que eu comprei e tu regavas?
E o sol que dá no quarto de manhã?
É meu o teu cachorro que eu tratava?
É teu o meu canteiro de hortelã?

A qual de nós pertence este destino?
Este beijo era meu? Ou já não era?
E o que faço das praias que já não vimos?
Das marés que estão lá à nossa espera?

Dividimos ao meio as madrugadas?
E a falésia das tardes de Novembro?
E as sonatas que ouvimos de mãos dadas?
De quem é esta briga? Não me lembro!


Rosa Lobato Faria

sábado, 14 de março de 2009

José de Guimarães

Hoje, num dos canais de televisão, vi uma reportagem sobre este artista que não conhecia.
Considerado um dos principais artistas plásticos portugueses de Arte Contemporânea, José de Guimarães é autor de uma extensa obra que se reparte pela pintura e escultura, muito valorizada internacionalmente. Está representado em muitas colecções públicas, nomeadamente, entre outros, no Museu Würth, Kunzelsau, Alemanha; Museu de Arte Moderna de Mendoza, Argentina; Museu Real de Arte Moderna, Bruxelas; Museu de Arte, São Paulo, Brasil ; Museu de Dimona, Neguiev, Israel; Fundação Akemi Maeda, Osaka, Japão; Parque Olímpico, Seoul; Museu Nacional de Arte Moderna, Porto.

Porque apreciei, sobretudo, o colorido e a vivacidade das formas, fiz uma breve pesquisa e retirei da net estas imagens de algumas obras suas. A primeira é uma pintura e as duas seguintes, Camões e Pássaros, são esculturas em cartão.




domingo, 8 de março de 2009

João de Deus


João de Deus de Nogueira Ramos, mais conhecido por João de Deus, nasceu em São Bartolomeu de Messines, a 8 de Março de 1830, e faleceu em Lisboa, a 11 de Janeiro de 1896. Advogado e jornalista, foi também um eminente poeta, de lirismo simples e terno, com grande profundidade emocional e muitas vezes melancólico. As suas poesias foram reunidas na colectânea Campo de Flores, publicada em 1893, incluindo-se nesta duas obras anteriores: Flores do Campo e Folhas Soltas. Publicou ainda um Dicionário Prosódico de Portugal e Brasil (1870), e as obras poéticas Ramo de Flores (1869) e Despedidas de Verão (1880). No entanto, foi na área da Educação que João de Deus deixou a sua marca indelével e se distinguiu como pedagogo ao propor, em 1876, um método de ensino da leitura. Assente numa Cartilha Maternal por ele escrita e inspirada em experiências de pedagogos inovadores como Pestalozzi, o método teve grande aceitação popular, o que levou a ser aprovado, em 1878, como o método nacional de aprendizagem da escrita da língua portuguesa.

Em Maio de 1882, foi fundada a Associação de Escolas Móveis, que tinha como finalidade o ensino particular da leitura e da escrita pelo método de João de Deus. Essa entidade originou, em 1908, a Associação de Jardins-Escolas João de Deus, uma Instituição Particular de Solidariedade Social dedicada à educação e à cultura. No seu âmbito funciona o Museu João de Deus e a Escola Superior de Educação João de Deus e múltiplos jardins-escolas.

João de Deus foi considerado o poeta do amor.
O país prestou-lhe as devidas homenagens mesmo ainda em vida e , aquando da sua morte, foi sepultado no Panteão Nacional.
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ADORAÇÃO
Vi o teu rosto lindo,
esse rosto sem par;
contemplei-o de longe, mudo e quedo,
como quem volta de áspero degredo
e vê ao ar subindo
o fumo do seu lar!
Vi esse olhar tocante,
de um fluido sem igual;
suave como lâmpada sagrada,
bem-vindo como a luz da madrugada
que rompe ao navegante
depois do temporal!
Vi esse corpo de ave,
que parece que vai
levado como o Sol ou como a Lua,
sem encontrar beleza igual à sua,
majestoso e suave,
que surpreende e atrai!
Atrai, e não me atrevo
a contemplá-lo bem;
porque espalha o teu rosto uma luz santa,
uma luz que me prende e que me encanta
naquele santo enlevo
de um filho em sua mãe!
Tremo, apenas pressinto
a tua aparição;
e, se me aproximasse mais, bastava
pôr os olhos nos teus, ajoelhava!
Não é amor que eu sinto,
é uma adoração!
Que as asas providentes
do anjo tutelar
te abriguem sempre à sua sombra pura!
A mim basta-me só esta ventura
de ver que me consentes
olhar de longe... olhar!
Fontes: Texto, wikipédia; Imagens, BNdigital

domingo, 1 de março de 2009

Águas de Março

Águas de Março

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É uma ponta, é um ponto, é um pingo pingando
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.

Tom Jobim