terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Adeus 2008! Viva 2009!

Para os Amigos e Visitantes

Ano Novo

O rei chegou
E já mandou tocar os sinos
Na cidade inteira
É pra cantar os hinos
Hastear bandeiras
E eu que sou menino
Muito obediente
Estava indiferente
Logo me comovo
Pra ficar contente
Porque é Ano Novo

Há muito tempo
Que essa minha gente
Vai vivendo a muque
É o mesmo batente
É o mesmo batuque
Já ficou descrente
É sempre o mesmo truque
E que já viu de pé
O mesmo velho ovo
Hoje fica contente
Porque é Ano Novo

Chico Buarque

sábado, 20 de dezembro de 2008

É Natal!

A Todos os Amigos e Visitantes
desejo um Natal cheio de Harmonia,
União, Paz e Amor



Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
Numa gruta, no bojo de um navio,
Num presépio, num prédio, num presídio,
No prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
Porque esta noite chama-se Dezembro,
Porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
Duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
A cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
Talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira, Cancioneiro do Natal


domingo, 14 de dezembro de 2008

Poema de Natal

FALAVAM-ME DE AMOR

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.
Natália Correia

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Para ti, pai


O meu pai era um homem do mar. De baixa estatura e cabelo preto ondulado, tinha no brilho dos olhos a alegria de viver e um coração aberto a quem com ele se cruzava.
O Mar não tinha segredos para ele. Eram íntimos, mas havia um respeito tão grande como a imensidão azul. O mar reclamara-o algumas vezes mas, marítimo cheio de fé, soube sempre soltar-se dessa amarra feita de correntes e espuma.
Correu muitos mares e conhecia todos os faróis.Partiu cedo, há muitos anos.
O meu pai era um homem do mar. Chamava-se João e todos o conheciam por Mestre Búzio.
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O Homem do Leme
Sozinho na noite
um barco ruma para onde vai.
Uma luz no escuro brilha a direito
ofusca as demais.

E mais que uma onda, mais que uma maré...
Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé...
Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade,
vai quem já nada teme, vai o homem do leme...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

No fundo do mar
jazem os outros, os que lá ficaram.
Em dias cinzentos
descanso eterno lá encontraram.

E mais que uma onda, mais que uma maré...
Tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé...
Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade,
vai quem já nada teme, vai o homem do leme...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

No fundo horizonte
sopra o murmúrio para onde vai.
No fundo do tempo
foge o futuro, é tarde demais...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...
Xutos & Pontapés

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Lembrar Florbela Espanca


Muito se tem escrito sobre Florbela Espanca. Da singularidade da sua obra poética. Do seu carácter, da sua inquietude, da sua melancolia. Não venho, por isso, acrescentar nada.
O que aqui trago é um olhar sobre um pormenor da sua vida.
Na Primavera/ Verão de 1918, Florbela veio para o Algarve tratar-se do grave problema de saúde que a apoquentava. “Veio atraída pelo clima ameno, dos ares puros e grande salubridade da orla marítima”.
Instalou-se em Quelfes, pequena freguesia do concelho de Olhão, na casa da cunhada Doroteia, professora primária na escola da aldeia.



Edifício da antiga escola primária de Quelfes

Mas “Florbela amava a cidade, o movimento, o reboliço, a sua roda de amigos (…)”, “era uma mulher de excepção, estranha à sociedade envolvente e com sérias dificuldades de adaptação a regras de conduta social, que se antepunham à sua intrínseca necessidade de libertação”. Assim, a sua passagem por Quelfes não se traduziu, de modo algum, em felicidade. “A solidão exasperante da aldeia atormentava o seu espírito sequioso de comunicação, carinho, afecto admiração…de fama , com a qual sempre sonhou, mas que só veio a obter depois da morte”.
“Foram seis meses de forçado sossego, algum marasmo e uma imensa solidão literária. Quase um degredo, com que se não compadecia o seu natural estado de espírito.”


Altiva e couraçada de desdém
Vivo sozinha em meu castelo, a Dor…
Debruço-me às ameias ao sol-pôr
E ponho-me a cismar não sei em quem!

Castelã da Tristeza, vês alguém?!...
-E o meu olhar é interrogador…
E rio e choro! É sempre o mesmo horror
E nunca, nunca vi passar ninguém!

-Castelã da Tristeza, porque choras,
Lendo toda de branco um livro d’horas
À sombra rendilhada dos vitrais?...

Castelã da Tristeza, é bem verdade,
Que a tragédia infinita é a Saudade!
Que a tragédia infinita é Nunca Mais!!!

No entanto, Florbela gostava do casario branco de Olhão, onde às vezes vinha, e de ver o pôr do sol na Ria Formosa.
“Existem sonetos que recordam esses momentos inesquecíveis, marchetados pela inebriante beleza de um sol refulgente, que empresta a este céu aquele azul extasiante que só os poetas sabem cantar. Escreveu-os em Quelfes, inspirada na tristeza da sua solidão acompanhada”.


É triste, diz a gente, a vastidão
Do Mar imenso! E aquela voz fatal
Com que ele fala, agita o nosso mal!...
E a Noite é triste, como a Extrema-Unção.

É triste e dilacera o coração
Um poente do nosso Portugal!
E não vêem que eu sou…eu…afinal,
A coisa mais magoada das que o são!

Poentes d’agonia tenho-os eu
Dentro de mim, e tudo quanto é meu
É um triste poente d’amargura!

E a vastidão do Mar, toda essa água
Trago-a dentro de mim num mar de Mágoa!
E a Noite sou eu própria, a Noite escura!

No dia 8 de Dezembro de 1930, Forbela Espanca libertou as amarras que a prendiam à desilusão na procura da felicidade, ao conflito interior. Completava nesse dia 36 anos, e, nas suas palavras, "Tudo será melhor do que esta vida!".

Fonte: "Florbela Espanca na Vila de Olhão", José Carlos Vilhena Mesquita, 1996


quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Assim dizemos

A língua portuguesa é rica em expressões idiomáticas. Trago aqui algumas.

Andar à toa
Significado: Andar sem destino, despreocupado, passando o tempo.
Origem: Toa é a corda com que uma embarcação reboca a outra. Um navio que está “à toa” é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar.

Coisas do arco-da-velha
Significado: Coisas inacreditáveis, absurdas, espantosas, inverosímeis.
Origem: A expressão tem origem no Antigo Testamento; arco-da-velha é o arco-íris, ou arco-celeste, e foi o sinal do pacto que Deus fez com Noé: "Estando o arco nas nuvens, Eu ao vê-lo recordar-Me-ei da aliança eterna concluída entre Deus e todos os seres vivos de toda a espécie que há na terra." (Génesis 9:16)
Arco-da-velha é uma simplificação de Arco da Lei Velha, uma referência à Lei Divina.
Há também diversas histórias populares que defendem outra origem da expressão, como a da existência de uma velha no arco-íris, sendo a curvatura do arco a curvatura das costas provocada pela velhice, ou devido a uma das propriedades mágicas do arco-íris - beber a água num lugar e enviá-la para outro, pelo que velha poderá ter vindo do italiano bere (beber).

Cair da tripeça
Significado: Qualquer coisa que, dada a sua velhice, se desconjunta facilmente.
Origem: A tripeça é um banco de madeira de três pés, muito usado na província, sobretudo junto às lareiras. Uma pessoa de avançada idade aí sentada, com o calor do fogo, facilmente adormece e tomba.

Dar um lamiré
Significado: Sinal para começar alguma coisa.
Origem: Trata-se da forma aglutinada da expressão «lá, mi, ré», que designa o diapasão, instrumento usado na afinação de instrumentos ou vozes; a partir deste significado, a expressão foi-se fixando como palavra autónoma com significação própria, designando qualquer sinal que começo a uma actividade dê. Historicamente, a expressão «dar um lamiré» está, portanto, ligada à música (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Embandeirar em arco
Significado: Manifestação efusiva de alegria.
Origem: Na Marinha, em dias de gala ou simplesmente festivos, os navios embandeiram em arco, isto é, içam pelas adriças ou cabos (vergueiros) de embandeiramento galhardetes, bandeiras e cometas quase até ao topo dos mastros, indo um dos seus extremos para a proa e outro para a popa. Assim são assinalados esses dias de regozijo ou se saúdam outros barcos que se manifestam da mesma forma.

Erro Crasso
Significado: Erro grosseiro
Origem: Na Roma antiga havia o Triunvirato: o poder dos generais era dividido por três pessoas.
No primeiro destes Triunviratos, tínhamos: Caio Júlio, Pompeu e Crasso. Este último foi incumbido de atacar um pequeno povo chamado Partos.
Confiante na vitória, resolveu abandonar todas as formações e técnicas romanas e simplesmente atacar. Ainda por cima, escolheu um caminho estreito e de pouca visibilidade.
Os Partos, mesmo em menor número, conseguiram vencer os romanos, sendo o general que liderava as tropas um dos primeiros a cair. Desde então, sempre que alguém tem tudo para acertar, mas comete um erro estúpido, dizemos tratar-se de um "erro crasso".

Fazer tábua rasa
Significado: Esquecer completamente um assunto para recomeçar em novas bases.
Origem: A tabula rasa , no latim, correspondia a uma tabuinha de cera onde nada estava escrito.
A expressão foi tirada, pelos empiristas, de Aristóteles, para assim chamarem ao estado do espírito que, antes de qualquer experiência, estaria, em sua opinião, completamente vazio. Também John Locke (1632 1704), pensador inglês, em oposição a Leibniz e Descartes, partidários do inatísmo, afirmava que o homem não tem nem ideias nem princípios inatos, mas sim que os extrai da vida, da experiência.
«Ao começo», dizia Locke, «a nossa alma é como uma tábua rasa, limpa de qualquer letra e sem ideia nenhuma. Tabula rasa in qua nihil scriptum . Como adquire, então, as ideias? Muito simplesmente pela experiência.»

Fazer tijolo
Significado: Morrer.
Origem: Segundo se diz, existiu um velho cemitério mouro para as bandas das Olarias, Bombarda e Forno do Tijolo.
O almacávar, isto é, o cemitério mourisco, alastrava-se numa grande extensão por toda a encosta, lavado de ar e coberto de arvoredo.
Após o terramoto de 1755, começando a reedificação da cidade, o barro era pouco para as construções e daí aproveitar-se todo o que aparecesse.
O cemitério árabe foi tão amplamente explorado que, de mistura com a excelente terra argilosa, iam também as ossadas para fazer tijolo.
Assim, é frequente ouvir-se a expressão popular em frases como esta: “Daqui a dez anos já eu estou a fazer tijolo”.
in ‘Dicionário de Expressões Correntes’, Orlando Neves

Mal e porcamente
Significado: Muito mal; de modo muito imperfeito.
Origem: «Inicialmente, a expressão era "mal e parcamente". Quem fazia alguma coisa assim, agia mal e eficientemente, com parcos (poucos) recursos.
Como parcamente não era palavra de amplo conhecimento, o uso popular tratou de substituí-la por outra, parecida, bastante conhecida e adequada ao que se pretendia dizer. E ficou " mal e porcamente", sob protesto suíno.»1
1 in A Casa da Mãe Joana, de Reinaldo Pimenta, vol. 1 (Editora Campus, Rio de Janeiro)

Ter para os alfinetes
Significado: Ter dinheiro para viver.
Origem: Em outros tempos, os alfinetes eram objecto de adorno das mulheres e daí que, então, a frase significasse o dinheiro poupado para a sua compra porque os alfinetes eram um produto caro.
Os anos passaram e eles tornaram-se utensílios, já não apenas de enfeite, mas utilitários e acessíveis.
Todavia, a expressão chegou a ser acolhida em textos legais. Por exemplo, o Código Civil Português, aprovado por Carta de Lei de Julho de 1867, por D. Luís, dito da autoria do Visconde de Seabra, vigente em grande parte até ao Código Civil actual, incluía um artigo, o 1104, que dizia: «A mulher não pode privar o marido, por convenção antenupcial, da administração dos bens do casal; mas pode reservar para si o direito de receber, a título de alfinetes, uma parte do rendimento dos seus bens, e dispor dela livremente, contanto que não exceda a terça dos ditos rendimentos líquidos.»

Do Tempo da Maria Cachucha
Significado: Muito antigo.
Origem: A cachucha era uma dança espanhola a três tempos, em que o dançarino, ao som das castanholas, começava a dança num movimento moderado, que ia acelerando, até terminar num vivo volteio.Esta dança teve uma certa voga em França, quando uma célebre dançarina, Fanny Elssler, a dançou na Ópera de Paris.
Em Portugal, a popular cantiga Maria Cachucha (ao som da qual, no séc. XIX, era usual as pessoas do povo dançarem) era uma adaptação da cachucha espanhola, com uma letra bastante gracejadora, zombeteira.

fonte: recebido por e-mail

sábado, 29 de novembro de 2008

Amadeu Baptista

Contextualizado nas comemorações “Olhão da Restauração – 200 anos (1808-2008)”,a Câmara Municipal de Olhão decidiu criar o Prémio de Poesia João Lúcio cujo vencedor foi Amadeu Baptista com o livro “Poemas de Caravaggio”.

Amadeu Baptista é um poeta de créditos como provam os diversos prémios que lhe têm sido atribuídos e as inúmeras traduções da sua obra.
Da sua poesia diz Maria Graciete Besse : O universo poético de Amadeu Baptista vive da presença ardente do Outro, do cruzamento de olhares e significações, da circulação indefinida entre o Eu, o Tu e o Mundo. Esta dinâmica esconde contudo um movimento mais subtil: o olhar que pousa sobre o Outro revela-se essencialmente a si mesmo na angústia do vazio, no espaço da ausência, da morte. A ordem relacional da abertura que define a temática sensível dos poemas transforma-se em projecção ideal de caminhos de esperança, utópicos movimentos de fascínio (...).


Confesso que não conhecia Amadeu Baptista. Parti à sua descoberta. Acompanhem-me, por favor…

METAMORFOSE E MASSACRE
(fragmentos)

Os dedos demoram-se na sombra.

Suspendem-se no sangue poeiras germinantes, turvos
fluidos, fios translúcidos de sal e deslumbramento
que detêm o silêncio e estancam a luz.

Desvenda o coração o que o coração oculta.

A sombra revela o significado oculto desse ritual que o fogo
acumula no obscuro sinal de uma ruína sem nome
.

Chamam-lhe escrita, outros preferem nomeá-la como infinito
exercício de adivinhação, dizem-na outros arte,
enigma redentor a que se entregam os que crescem
para o abismo e perturbam as trevas
.

Recompensa ou castigo, eis o que obstina.

Por essas horas as mulheres arrastam pelas praias o espesso
manto da escuridão, convocam os mortos às encruzilhadas,
libertam trémulas luzes de obscuros papéis e sombras
calcinadas.


Corre implacável o curso da impaciência sob a ofendida
serenidade do poema


O Sossego da Luz

terça-feira, 25 de novembro de 2008

domingo, 16 de novembro de 2008

Dia Internacional para a Tolerância



Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando

Mas já é tarde.


Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo.


Bertold Brecht (1898-1956)



Podem todos rir de mim,
podem correr-me à pedrada,
podem espreitar-me à janela
e ter a porta fechada.

Com palavras de ilusão
não me convence ninguém.
Tudo o que guardo na mão
não tem vislumbres de além.

Não sou irmã das estrelas,
nem das pombas nem dos astros.
Tenho uma dor consciente
de bicho que sofre as pedras
e se desloca de rastos.

Natércia Freire
fotos da net

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A Capa de S. Martinho


Ontem foi dia de S.Martinho, o santo da capa vermelha.
A tradição, que já não é o que era, manda comer castanhas e beber vinho novo, jerupiga ou água-pé (não sei se é tudo a mesma coisa). Mas a inflação fez da castanha um artigo caro, de dias especiais.
A tradição também foi atraiçoada em matéria de tempo. O verão do dito cada vez é mais parecido com um Outono enfurecido a deitar para a invernia.
Mas voltemos ao santo, melhor dizendo à sua capa. O sol, que aquece o corpo e a alma, revelou-se no exacto momento em que ela é rasgada ao meio para mitigar o frio do mendigo. A capa do romano, rico e poderoso, é partilhada com um abandonado pela vida. Esse é o seu verdadeiro significado: a partilha.

Na pressa dos dias de hoje, quando rasgamos alguma coisa, é para a deitar fora, desfazermo-nos do que não nos faz falta. Quem se lembra de rasgar um postal de boas festas e partilhar uma das metades com alguém? Quem se lembra de rasgar um talão do multibanco e entregar um bocado à pessoa que nos procede na fila? Ridículo! É verdade. Mas estas metades ou outras de teor semelhante fazem parte do mundo de tralhas que nos rodeiam e sem as quais dificilmente passamos.

Mas há outras metades que servem para partilhar.. São coisas que não rasgamos, porque não as compramos.
Um sorriso, um abraço, um silêncio, até mesmo um elogio (não se diz rasgados elogios?) são a metade da capa de Martinho. Aquecem o corpo e a alma. Quando damos estas metades, somos ricos e poderosos em solidariedade e generosidade. Quando nos dão estas metades, reencontramos a força para viver.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Recordando...

Sophia de Mello Breyner Andresen
nasceu há 89 anos.
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Data

Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rasto

Tempo da ameaça

Poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Noites e Feiticeiras...

Sete Luas
Há noites que são feitas dos meus braços
e um silêncio comum às violetas
e há sete luas que são sete traços
de sete noites que nunca foram feitas
Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.
Há noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desencanto
e cisnes brancos que só são iguais
à mais longínqua onda de seu canto.
Há noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo.
Natália Correia
Feiticeira
Luís Represas

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O Poeta João Lúcio

Na passagem dos 90 anos sobre a sua morte, recordo aqui o grande poeta olhanense João Lúcio.

Nascido em Olhão em 4 de Julho de 1880, numa família abastada e culta, onde já outro nome, o pintor Henrique Pousão, brilhava nas artes, evidenciou desde cedo talento para a escrita.
Estudou Direito em Coimbra , privando aí com outros grandes das letras portuguesas como Afonso Lopes Vieira, Augusto de Castro, Teixeira de Pascoaes e Manuel Teixeira Gomes.
Exerceu advocacia em Olhão, salientando-se pelo seu profissionalismo, viva inteligência e palavra fácil. Os seus dotes de magnífico orador granjearam-lhe o respeito e a admiração nos meios políticos, tendo sido deputado da Nação e presidente da Câmara de Olhão.

João Lúcio foi um poeta naturalista, romântico e sonhador.
Ainda em Coimbra publica “Descendo” (1901), cujos versos resultam numa incursão pela luz, perspectivando a descoberta da claridade.
Grande apaixonado pelo Algarve escreve a sua obra poética mais conhecida - "O Meu Algarve" (1905) -, onde hiperboliza a luz, as cores, a terra e o mar do seu Algarve. António José Saraiva e Óscar Lopes em "A História da Literatura" referem-se ao poeta como um António Nobre algarvio, «pelo seu exuberante gosto da cor e mitologia popular»
Publica ainda "Na Asa do Sonho" (1913), uma ode à capacidade humana de sonhar para fugir à realidade, e mais tarde, "Impressões de viagens" e "Vento de Levante". "Espalhando fantasmas" (1921), foi publicado postumamente.

Cerca de 1916 mandou construir no pinhal da sua quinta de Marim, local rico de lendas sobre mouras encantadas , perto de Olhão, um Chalet, com o objectivo de alcançar o isolamento espiritual que tanto necessitava depois da tragédia pessoal da perda do filho.
Esta moradia, pelo seu exotismo, é considerada como um exemplo máximo da arquitectura simbolista em Portugal (existe apenas outro exemplar nacional: a Quinta da Regaleira, em Sintra). É um edifício com três pisos, de forma quadrangular, sem frente nem traseiras, com quatro escadarias de acesso que marcam as entradas para o centro da casa, rematado com uma clarabóia. A escadaria a Norte tem forma de peixe; a Sul, de guitarra; a Nascente, de violino; a Poente, de serpente. Simbolicamente, o peixe representa a água mas, ao contrário do que seria de esperar, está virada para o Norte (continental); a guitarra simboliza o fogo e, também ao contrário do que seria de esperar, está virada para o Sul (líquido); o violino simboliza o ar mas está virada para o fogo do Sol (nascente); a serpente simboliza a terra e a realidade, pelo que está voltada para a urbe de Olhão.


Infelizmente, João Lúcio pouco tempo viveu nesta sua casa, pois foi vítima da gripe pneumónica , em 1918, quando tinha apenas 38 anos.

Olhão tem prestado várias homenagens a esta figura incontornável da sua cultura. O seu busto ornamenta o centro da cidade e a sua casa de Marim foi transformada em Ecoteca.
A paixão da cor
(a Manuel Teixeira Gomes)

Côr, filha da Luz, é uma língua em tons
Que falla, sem rumor, á curva da retina...
Como ha para o ouvido a palavra e os sons,
Nasceu para o olhar esta harmonia fina.

Escorre sobre o campo, empapuçando tudo
N'um brilho rumoroso, ardente de alegrias;
Palpita nos setins, ondula no velludo
E fulge encarcerada em finas pedrarias.

Em toda a parte põe a aza transparente:
No mar, nos vegetaes, nos montes, nos pallores...
No nosso sangue a Côr murmura intensamente,
Sugam-n'a p'los jardins as sequiosas flores.

Faz o scenario rubro e amplo da alvorada,
Espalha pelo Ar um pó alado e loiro,
Torna a agua do mar suave e azulada
E talha, no poente, architecturas de oiro.

Sonoramente vibra, em rubro, sobre os cactos:
Tem um ar de saudade, em roxo, nas violetas:
É meiga no azul dos lagos e regatos,
As azas de setim salpica ás borboletas.

Ululou no pincel extranho de Rembrant,
O trágico da tinta, Eschylo da pintura;
Foi triste e dolorosa em Cano e Zurbaran
E em Rubens tomou idylica frescura.

Com Velasques creou rajadas de epopea
E em Raphael foi d'uma doce grandeza;
Miguel Angelo pôz a Côr d'assombros cheia
Por forma que excedeu até a Natureza.

Murillo fel-a erguer, celeste e amoravel,
Ao lyrismo ideal da mystica doçura,
Mergulhava o pincel fino e admirável
Dentro do coração, p'ra embebel-o em ternura.

Oh Côr, que vaes correr pelas veias das flores,
Voluptuosa côr que adora o algarvio,
Que fostes muita vez, em ardentes amores,
O collo desnudar nos braços de meu tio.

E porquê? Que razão nos acorrentará
Ao teu manto brilhante, ao teu manto fulgente?!
A volúpia, talvez, que dentro de ti ha,
Minha linda pagã, sensual e ardente!
Do Livro O Meu Algarve
(foi mantida a escrita original e foram feitas supressões)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Palavra de Amigo

Palavras

A Palavra é o que nos distingue do resto da criação divina. Pela palavra comunicamos.
Existem três categorias de palavras: as que se pensam, as que se dizem e as que se calam; e dentro destas existem outras variedades. As palavras são como as árvores. Ramificam-se.
Como diz o poeta, há palavras que nos beijam como se tivessem boca.... São palavras de simpatia, amizade, compreensão, carinho, paixão, amor. Precisamos delas para nos sentirmos vivos, para perspectivarmos o mundo, para nos posicionarmos na vida, para estarmos bem com os outros e connosco próprios.
Há palavras que gritam. Cada pensamento, som ou gesto é raiva e ódio. Não precisamos delas pois conflituam-nos de tal maneira que baralham a lucidez e o discernimento.
Também há as palavras inúteis, não porque a inutilidade resida na palavra, mas porque não são necessárias para os momentos. A extrema alegria ou a morte tornam-nas inúteis.
Inúteis são, também, as que tentamos dizer a alguém que cala as palavras. Quem cala palavras não gera comunicação. Produz reticências, silêncios , dúvidas.
Por fim há as palavras mal-entendidas. Podem-se pensar, dizer ou calar mas não cumprem a missão de comunicar. Partem do seu destino com uma intenção mas chegam irreconhecíveis.
São tão perigosas como incontroláveis. Perigosas porque distorcem a realidade e arruinam relações. Incontroláveis porque quando partem de nós carregam o nosso sentir, levam instruções expressas, mas confundem-se e transmutam-se, devido a factores externos.
Infelizmente, parece ser esta última variedade a que mais existe por aí. Utilizamos uma amálgama de palavras, das várias categorias e variedades e não nos damos conta da importância da escolha. Os factores externos somos nós próprios. Uma atitude impensada, um gesto deslocado e toda a palavra que de nós sai fica mirrada, seca, espalhada no deserto da incompreensão.
O que nos distingue do resto da criação divina torna-nos, às vezes, infelizes.

domingo, 19 de outubro de 2008

1º Prémio

Pois é, Amigos! Ao fim de uma luta renhida com concorrentes de peso, das quais destaco a SOPHIAMAR (do blog Averomar) e a ELVIRA CARVALHO (do blog Sexta-Feira), ganhei o


1º Campeonato "QUEM SOU EU?"


Uma iniciativa de Jorge PG do blog "Os Bonecos do Sineiro"



É um prémio que me enche de orgulho! Foi bem disputado, com muita alegria, divertimento e Amizade.

À Sophiamar, que ganhou o segundo lugar, e à Elvira Carvalho, que ficou em terceiro, os meus parabéns pelo empenho e desempenho, pelo desportivismo e pelas boas gargalhadas durante o torneio.

Ao Mestre Sineiro, JORGE PG, um obrigado do tamanho deste mundo e do outro, por ter proporcionado momentos imperdíveis e impagáveis de desafio e boa disposição.

A todos um obrigada do fundo do coração!

sábado, 18 de outubro de 2008

Leitura

Terminei a leitura deste livro e gostei muito!

Casa Rossa, uma magnífica casa de campo em Puglia, pertencente à família Strada, vai ser vendida. Enquanto Alina fecha a casa, reúne os fragmentos do passado da sua família relembrando a vida de três mulheres extraordinárias que a habitaram. A sua avó Renée, uma bela tunisina, mulher e musa do seu avô pintor, abandonou-o por uma mulher e fugiu para a Alemanha nazi. A mãe, Alba, viveu a dolce vita na Roma dos anos cinquenta e casou-se com um guionista melancólico que morreu em circunstâncias misteriosas. Isabella, a irmã de Alina, e outrora a sua melhor amiga, juntou-se às Brigadas Vermelhas nos anos 70, uma escolha que separaria as irmãs. Os sentimentos e as histórias destas mulheres que viveram uma existência apaixonante desenvolvem-se magistralmente, ao mesmo tempo que se vai revelando uma história mais ampla, a de uma família e a de um país.

A autora:

Francesca Marciano

Nasceu em 1955 em Roma, e viveu nos EUA e em África. Trabalha há muito no cinema como realizadora e guionista. É autora do bestseller internacional Rules of the Wild , inspirado na sua experiência pessoal no Quénia. Casa Rossa é o seu segundo romance.
Textos retirados da capa do livro

Editora D. Quixote

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Parar para Ouvir

Todo o Tempo do Mundo

Podes vir a qualquer hora
Cá estarei para te ouvir
O que tenho para fazer
Posso fazer a seguir
Podes vir quando quiseres
Já fui onde tinha de ir
Resolvi os compromissos
agora só te quero ouvir
Podes-me interromper
e contar a tua história
Do dia que aconteceu
A tua pequena glória
O teu pequeno troféu
Todo o tempo do mundo
para ti tenho todo o tempo do mundo
Todo o tempo do mundo
Houve um tempo em que julguei
Que o valor do que fazia
Era tal que se eu parasse
o mundo à volta ruía
E tu vinhas e falavas
falavas e eu não ouvia
E depois já nem falavas
E eu já mal te conhecia
Agora em tudo o que faço
O tempo é tão relativo
Podes vir por um abraço
Podes vir sem ter motivo
Tens em mim o teu espaço
Todo o tempo do mundo
para ti tenho todo o tempo do mundo
Todo o tempo do mundo
Rui Veloso – Todo o tempo do mundo

domingo, 12 de outubro de 2008

Eu fui Madrinha de Guerra

Isabel Allende diz que “A escrita é para mim uma tentativa desesperada de preservar a memória. Escrevo para que me não vença o esquecimento”.

Todos temos recordações, memórias do passado, antigo ou recente. Há recordações más, situadas em contextos bons e há recordações boas situadas em contextos maus. A recordação que aqui trago enquadra-se neste último tipo. Os anos 60(finais) e 70 preencheram a minha adolescência e juventude. O rock, o flower power, a mini-saia, ocupavam os nossos dias descontraídos enquanto que as baladas, os livros emprestados à socapa e a guerra no ultramar deixavam no ar perguntas sem resposta e desenhavam uma realidade mal compreendida. Todos os rapazes meus conhecidos passavam por um interregno nas suas vidas. Largavam os empregos, as famílias, os amigos e abalavam do cais de Alcântara, aos magotes, para África. O porquê era sempre uma pergunta difícil de responder.


Nessa altura circulava em Portugal uma revista, a “Crónica Feminina”, que, apesar de ser considerada leitura inferior, era lida religiosamente todas as semanas, quer pelas engraçadas tiradas da “D. Licas”, quer pelas novidades da moda, quer pelo foto - folhetim, encaixado nas páginas centrais. Divertíamo-nos com aquilo e isso era parte do nosso pequeno mundo. A última página era uma lista de pedidos de correspondência: Beltrano Sicrano, 1º cabo do RA5, em comissão de serviço na Guiné, deseja corresponder-se com menina dos 17 aos 25 anos, alegre, comunicativa e que goste de música pop. Resposta para o SPM 123456789. Era mais ou menos este o teor do pedido. Entrou na moda, estava na moda.

Então eu respondia a esses gritos de solidão, de liberdade adiada. Durante três ou quatro anos fui madrinha de guerra de uns quantos soldados. Os aerogramas não tinham franquia, pelo que a correspondência circulava com muita assiduidade. Eram palavras simples, descrições do dia a dia, relatos de filmes, letras de canções, poemas, fotografias, postais ilustrados. Enfim, baús cheios de tesouros para quem estava confinado ao mato, à imensidão africana, longe de tudo e de todos.


Havia um dia em que o aerograma trazia a notícia do fim da comissão, o agradecimento profundo pelos bons momentos de leitura e o conforto que as palavras da madrinha desconhecida tinham dado. A vida continuava.
Por duas ou três vezes houve um último aerograma sem resposta do lado de lá. O passar dos dias encarregou-se de apagar a dúvida, um pensamento doloroso.
De todos os afilhados de guerra, só conheci um. Acabada a sua tarefa, voltou para a terra e veio conhecer-me. Trouxe o irmão com quem tinha sido criado e ficou amigo lá de casa. As coisas que ele contava eram um mundo à parte. Ajudou-me a compreender a tal realidade que nos passava um pouco ao lado e trouxe-me algumas respostas às tais perguntas difíceis. Ajudou-me a crescer em consciência. Hoje recordo-lhe o riso franco e aberto. O Tempo, esse insano amigo, levou o resto.
Fotos da net

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Mês Internacional das Bibliotecas Escolares


José Fanha e António Torrado vão promover a leitura

Os escritores José Fanha e António Torrado, figuras de referência da literatura infanto-juvenil, vão estar em Olhão durante o mês de Outubro, promovendo diversas acções de promoção do livro e da leitura.
A propósito do Mês Internacional das Bibliotecas Escolares, que se comemora durante todo este mês, a Biblioteca Municipal de Olhão, uma das aderentes à iniciativa, elaborou um programa de acções dirigido à comunidade escolar e em particular aos alunos dos 2º e 3º Ciclos e ainda do Ensino Secundário.
Atrair os mais novos para o mundo das palavras e da leitura apresenta-se como o propósito em vista, criando importantes hábitos e necessidades ainda em tenra idade.
José Fanha estará na Biblioteca Municipal de Olhão nos dias 8, 9 e 10 de Outubro e de 27 a 29 será a vez de António Torrado deslocar-se àquela cidade algarvia.
Os dois escritores vão espalhar histórias e palavras em sessões em que estarão rodeados de jovens, dentro de projectos que desenvolvem neste âmbito, pois já lançaram redes de leitura em escolas e bibliotecas e fundaram clubes de leitores, participando regularmente em sessões de promoção da leitura e do livro.
Dada a juventude da Biblioteca Municipal de Olhão, ainda não existe um clube de leitura naquela estrutura podendo a acção prevista para este mês constituir o primeiro passo nesse âmbito.
(Armando Alves in Correio da Manhã)

É já amanhã a sessão na Biblioteca Municipal com o José Fanha.
Das muitas coisas escritas que aqui tenho dele, escolhi este poema que fala de Amor.

GRITO

De ti que inventaste
a paz
a ternura
e a paixão
o beijo
o beijo fundo intenso e louco
e deixaste lá para trás
a côncava do medo
à hora entre cão e lobo
à hora entre lobo e cão.

De ti que em cada ano
cada dia cada mês
não paraste de acender
uma e outra vez
a flor eléctrica
do mais desvairado
coração.

De ti que fugiste à estepe
e obrigaste
à ordem dos caminhos
o pastor
a cabra e o boi
e do fundo do tempo
me chamaste teu irmão.

De ti que ergueste a casa
sobre estacas
e pariste
deuses e linguagens
guerras
e paisagens sem alento.

De ti que domaste
o cavalo e os neutrões
e conquistaste
o lírico tropel
das águas e do vento.

De ti que traçaste
a régua e esquadro
uma abóboda inquieta
semeada de nuvens e tritões
santidades e tormentos.

De ti que levaste
a volupta da ambição
a trepar erecta
contra as leis do firmamento.

De ti que deixaste um dia
que o teu corpo se cansassse
desta terra de amargura e alegria
e se espalhasse aos quatro cantos
diluido lentamente
no mais plácido
silente
e negro breu.

De ti
meu irmão
ainda ouço
o grito que deixaste
encerrado
em cada pétala do céu
cada pedra
cada flor.
O grito de revolta
que largaste à solta
e que ficou para sempre
em cada grão de areia
a ressoar
como um pálido rumor.
O grito que não cansa
de implorar
por amor
e mais amor
e mais amor.

José Fanha, in "Breve tratado das coisas da arte e do amor"

sábado, 4 de outubro de 2008

Dinheiro

Há pouco liguei a televisão e o canal 1 está a transmitir o filme "Caminho para a Perdição", homenagem ao grande Paul Newman, recentemente falecido. Logo me acudiu à memória um outro filme deste actor – The Colour of Money – realizado em 1986.

A cor do dinheiro. Qual é a cor do dinheiro? A cor clara da alegria, do bem, da felicidade? Ou a cor escura do desespero, da ambição ou da avareza?

O dinheiro tem muito que se lhe diga. Aqui estão algumas coisas para dizer do dinheiro.

Como conceito podemos dizer que o dinheiro é o meio usado na troca de bens, na forma de moedas ou notas , usado na compra de bens, serviços, força de trabalho, divisas estrangeiras ou outras transacções financeiras, emitido e controlado pelo governo de cada país, que é o único que tem essa atribuição. É também a unidade contável. O seu uso pode ser implícito ou explícito, livre ou por coerção.

Também podemos reflectir sobre a sua natureza ou importância para o Homem:

-Não há nada pior do que o dinheiro / na sociedade humana , "Antígona" , Sófocles.
-O dinheiro, sozinho, governa todas as coisas, "Sentenças" , Públio Siro.
-Nenhuma fortaleza é tão forte que não possa ser tomada sem dinheiro , Marcus Cícero.
-Admira-se o talento, a coragem, a bondade, as grandes dedicações e as provas difíceis, mas só temos consideração pelo dinheiro, Sébastien-Roch Chamfort.
-O dinheiro só é poder quando existente em quantidades desproporcionadas , Honoré de Balzac
-O dinheiro é o único poder que nunca se discute , Alexandre Dumas (filho).
-O dinheiro pode abrir novas vias que permitam prolongar por um pouco mais de tempo um golpe de sorte , Françoise Sagan.

Ao dinheiro podemos dar muitos nomes: massa , bagulho, cobres, grana, quantia, guito, guita, cheta, arame, pasta, bago, c’roas, milho, papel, pilim , tostões, dele, aquilo com que se compra os melões.
O dinheiro pode tomar outros nomes: Funcionários, vencimento; Médicos, honorários; Soldados, pré; Empregados, ordenado; Jornaleiros, salário; Prestamistas, juro; Queixosos, indemnização; Beneméritos, legado; Noivas, dote; Accionistas, dividendo; Magistrados, emolumentos; Intermediários, comissão; Autores, direitos; Segurados, prémio; Reformados, pensão; Operários, féria; Cobradores, cobrança; Párocos, côngrua; Comerciantes, lucro; Serventes, gorjeta; Herdeiros, herança; Estado, impostos.

livros que falam de dinheiro, outros que contam histórias do dinheiro. Às vezes, não há dinheiro para comprar certos livros.

Olhando para o mundo lá fora vejo que a Revista Forbes, inteiramente dedicada ao dinheiro e ao que se faz com ele, elaborou uma lista dos 10 melhores filmes sobre a temática do dinheiro:
1.Wall Street (1987) 2.Trading Places (1983) 3.The Sting (1973) 4.Boiler Room (2000) 5.Ocean's Eleven (1960) 6.It's a Mad Mad Mad Mad World (1963) 7.Casino (1995) 8.Glengarry Glen Ross (1992) 9.The Treasure Of The Sierra Madre (1948) 10.American Psycho (2000).

E nas notas da Música encontramos muitas dedicadas ao dinheiro, também ele a falar inglês:
-She works hard for the money, Donna Summer
-Money Talks, AC/DC
-Money, Beatles
-Money for Nothing, Dire Straits
-Money, Pink Floyd
-Money, money, Money, ABBA
-Pay Me My Money Down, Bruce Springsteen

E para acabar, que a conta já vai longa, quero dar troco a isto tudo, mas em português:

O dinheiro é tão bonito,
Tão bonito, o manganão!
Tem tanta graça o maldito,
Tem tanto chiste o ladrão!
O falar , fala de um modo...
Todo ele , aquele todo....
E elas acham-no tão guapo!
Velhinhas ou moças que veja,
Por mais esquiva que seja,
Tlim!
Papo.

E a cegueira da justiça
Como ele a tira num ai!
Sem lhe tocar com a pinça;
É só dizer-lhe:-Aí vai...
Operação melindrosa,
Que não é lá qualquer coisa;
Catarata , tome conta!
Pois não faz mais do que isto,
Diz-me um juiz que o tem visto:
Tlim!
Pronta.

Nessas espécies de exames
Que a gente faz em rapaz,
São milhares aos enxames
O que aquele demo faz!
Sem saber nem patavina
de gramática latina,
Quer-se um rapaz d'ali fora?
Vai ele com tais falinhas,
Tais gaifonas ,tais coisinhas....
Tlim!
Ora..
Aquela fisionomia
E lábia que o demo tem!
Mas numa secretaria
Aí é que é vê-lo bem!
Quando ele de grande gala,
Entra o ministro na sala,
Aproveita a ocasião:
«Conhece este amigo antigo?
---Oh meu tão antigo amigo!
(Tlim!)
Pois não!»

João de Deus
Fontes textos em itálico : internet

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Dia Nacional da Água


Poema da Água

A água também nasce pequenina
nasce gota de orvalho ou de neblina...

A água também tem a sua infância
quando apenas riacho cantarola
brinca de roda nos redemoinhos
salta os seixos que encontra
e faz apostas de corrida - travessa
por entre as grutas e escarpados,
arranca as flores que a marginam para engrinaldar
a cabeleira solta sobre o leito revolto das areias...

A água também tem adolescência
sonha lagos românticos à lua
fitando os astros namorados dela
embevecida em seus olhos de ouro...
e assim sempre amorosa e sonhadora
vai tecendo e bordando - dia e noite
o seu vestido de noiva nas montanhas
e o seu véu de noivado nas cascatas...

A água também tem maturidade
fica serena e grave em rios fundos
e num destino generoso e amigo
espalha a vida que em si mesma encerra
semeia bênçãos para o grão de trigo
abre caminhos líquidos da terra
e enlaça os povos através dos mares...

A água também tem sua velhice
é de ver-lhe os cabelos muitos brancos
onda lenta de espuma destrinçada em neve,
nos ares flutuando...
A água também sofre...
e quando sofre se faz divina
e vem brilhar em lágrimas
ou se reflete a dor da natureza
geme no vento transformada em chuva.

A água também morre...
e quando seca e a sua morte entristece tudo:
choram-lhe, enfim na desolação,
todos os seres vivos que a rodeiam
porque ela é o seio maternal da vida
e de tal maneira ama seus filhos rudes
que muitas vezes para os salvar
se deixa ficar sem o murmúrio
de uma queixa prisioneira de poços e açudes...

Bendita seja, pois, água divina
que fecunda, consola, dessedenta, purifica,
e que, desde pequenina, feita gota de orvalho,
mata a sede das plantas entreabertas
e prepara o festivo esplendor da primavera...
e que, nascida em píncaros da serra,
vem de tão alto, procurando sempre
ter um fim de planície e de humildade até perder,
na última renúncia, o nome de batismo de seus rios
para ficar anônima nos mares.


Autor: Raul Machado (enviado por e-mail)

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Letras de Descontentamento

Quando criei este meu canto, uma das minhas intenções era fazer disto uma espécie de baú onde iria guardando as coisas de que gosto: textos meus, textos de outros, fotos minhas, fotos de outros, poemas, e outras coisas. Mas como também se deve reter aquilo que não se gosta, quanto mais não seja para servir de aviso a futuras experiências, pus em cima no cabeçalho "letras do meu descontentamento. E é isso que trago hoje. Descontentamento.
Esta campanha do Magalhães faz-me lembrar o "BigBrother" da TVI, que ninguém via, mas todos sabiam o que lá se passava. Assim é este computadorzito. Muita crítica, mas é ver os pais aflitos por não saberem onde e quando hão-de ir buscar o respectivo código de aquisição. Todos reclamam do preço dos livros, mas os pais ainda não pensaram na conta da internet que vão ter que pagar. Enfim, com tanta tecnologia, qualquer dia ainda se contratam meia dúzia de R2D2 para orientar as aulas!
Ora tanta preocupação com a evolução das aprendizagens e os "melhores" meios leva a que sejam esquecidas outras coisas. Simples, pequenas. Pormenores que depressa se transformam em "pormaiores". É aqui que entra o meu descontentamento. E estas são as letras:

"São necessários (principalmente) pijamas, para as crianças que estão no Instituto Português de Oncologia a fazer tratamentos de quimioterapia. Após os tratamentos, os pijamas ficam muito sujos e gastam-se rapidamente.Esta ideia surgiu há dois anos e hoje já é apelidada de *Movimento Pijaminha* pelo sucesso que têm tido os esforços conseguidos! As necessidades existentes passam pela falta de pijamas, pantufas, chinelos, meias, robes e fatos de treino.Para todos a vida não está fácil, mas dentro das possibilidades de cada um há sempre espaço para participar, comprando ou obtendo junto de amigos e familiares agasalhos que já não sirvam.No ano passado foram entregues 76 pijamas e o IPO ficou muito satisfeito com esta dádiva.Este ano vamos repetir o feito, e se possível ultrapassar este número."

É vergonhoso que o ministério da saúde não tenha verba suficiente para atender ao desgaste dos pijamas no IPO.

Recolhido em:
http://www.papaacordas.blogspot.com/
http://www.mariazinha62.blogspot.com/

É grande o meu descontentamento! Dão-se computadores, porque todos devem ter acesso às tecnologias (e não estarei longe da verdade se disser que, daqui a uns tempos, quando começarem as avarias, os magalhãezitos serão arrumados a um canto, qual boneco zarolho e perneta) e não se providencia o básico para quem está confinado num hospital onde a primavera da vida pode nunca mais ser verão? É grande o meu descontentamento!!!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Outono

Chegou o Outono...


DA INFLUÊNCIA DA LUA

Outono. O Sol, qual brigue em chamas, morre
Nos longes d'água... Ó tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poesia escorre
E os bardos, a cismar, molham a pena!
Ao longe, os rios de águas prateadas
Por entre os verdes canaviais, esguios,
São como estradas líquidas, e as estradas,
Ao luar, parecem verdadeiros rios!
Os choupos nus, tremendo, arrepiadinhos,
O xale pedem a quem vai passando...
E nos seus leitos nupciais, os ninhos,
As lavandiscas noivam piando, piando!
O orvalho cai do Céu, como um unguento.
Abrem as bocas, aparando-o, os goivos;
E a laranjeira, aos repelões do Vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.
E o orvalho cai... E, à falta d'água, rega
O vale sem fruto, a terra árida e nua!
E o Padre Oceano, lá de longe, prega
O seu Sermão de Lágrimas, à Lua!
A Lua! Ela não tarda aí, espera!


António Nobre,

fotografia: o escriba

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Serenidade


Um dia destes, seguindo o rio de canais existente na tv cabo, desaguei num episódio de uma série tipicamente americana, onde as relações humanas são dissecadas molecularmente . Versava o dito sobre a serenidade. Como é um sentimento que muito prezo, fiquei. Até que gostei. As perspectivas individuais das personagens, fruto dos dramas que cada uma atravessa, originavam atitudes diversas. Em cada par, um exercia uma espécie de contraditório entre o que pensa e o que faz, e o outro, com serenidade, repunha a verdade da situação. Conclusão: com calma chegamos lá. Era basicamente isto. E, por ser tão simples e óbvio, gostei.
Serenidade é como o dinheiro, todos querem mas poucos têm.
Decididamente vivemos dias de exaltação. Guerras, um pouco por todo lado, despoletadas pela ganância e ambição; economias deprimidas, porque dependentes das globalizações e afins; desemprego frustrante, gerador de inseguranças; franjas sociais que nada produzem mas constituem uma espécie de sociedade só de direitos, onde grassam genes de violência gratuita; serviços de saúde que eternizam esperas ansiosas; justiça que, já de si sendo cega, está cada vez mais surda; educação desvalorizada, refém sabe-se lá de que desígnios supremos, que sonham de noite aquilo que não é exequível de dia.
Perdemos a calma todos os dias, porque de uma assentada tudo nos corre mal e parece que só acontece a nós. Curioso é que se alguém está exaltado, lá vamos nós tentar ajudar, recordando que há quem esteja pior, que se a roda desanda é melhor que deixemos rodar até ao fim, pois ela logo pára e volta a subir, enfim, aquelas coisas que também repetimos para nós próprios mas depressa as sacudimos. Às vezes conseguimos controlar a exaltação, deles e nossa. Mas é sol de pouca dura, porque “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.
Decididamente estamos muito necessitados de serenidade. Para revermos as nossas estratégias de actuação face a um mundo que há muito perdeu a inocência. Para podermos ajudar os outros com a coerência do que pensamos e do que fazemos. Para darmos uma oportunidade ao Tempo. Enfim, para desfrutar da serenidade, esse sentimento que todos prezamos.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Flávia, a Menina do Sorriso Roubado

Blogagem Colectiva para Flávia em 9/Set/2008


Flávia é uma jovem brasileira de 20 anos. Há 10 anos, quando brincava na piscina do condomínio onde morava, os seus cabelos foram sugados pelo ralo, originando uma situação de quase afogamento que a atirou para uma coma vigil: abre os olhos de dia, fecha-os à noite, mas não interage com o meio envolvente e depende de todos para tudo. Desde o acidente que a mãe, Odele de Souza, luta na justiça pelos direitos que lhe são devidos mas os responsáveis continuam impunes.

Quando vocês se juntam a mim e à minha filha, esta luta contra a NEGLIGÊNCIA e a IMPUNIDADE deixa de ser uma luta solitária. Quando vocês se juntam à mim e à Flavia contra a MOROSIDADE DA JUSTIÇA, estamos todos nós, do Brasil e todos os outros países presentes no blog de Flavia, exercendo não só a nossa cidadania, como a cidadania daqueles que por razões, as mais diversas, não têm como se fazer ler, nao têm como se fazer ouvir e por isso continuarão no anonimato. Sabemos que muitas outras Flavias, vitimas de NEGLIGÊNCIA e IMPUNIDADE existem, no Brasil e no mundo, à espera de justiça. Uma justiça que por ser tão lenta, acaba por beneficiar os culpados e punir as vítimas. Que nossa união, que nossa indignação coletiva contra a morosidade da justiça, represente, além de minha filha Flavia, também essas pessoas anônimas.(Odele Souza, 27 de Agosto de 2008).

Divulgar o caso da Flávia, a menina do sorriso roubado, é um dever e uma obrigação. Como mãe, a história de Flávia emociona-me. Como mãe, a luta de Odele toca-me profundamente. Por isso transcrevo a carta que ela escreveu à filha no dia da Mãe, 11 de Maio de 2008. São palavras de saudade e de esperança, de luta e de fé e de gratidão e , acima de tudo, de um amor incondicional.

Flávia,
Você sabe querida, que nunca dei muita importância a comemorações de “dia disso e dia daquilo”, incluindo o Dia das Mães, porque como eu lhe dizia filha, dia das mães são todos os dias, e você com sua voz mimosa de menina sapeca respondia. -
Eu sei mamãe, mas olha o que preparei pra você na minha escola; foi minha professora quem me ajudou a fazer, mas o que aí está escrito foi idéia "minha.”. E você frisava o “minha”. Ainda tenho filha, guardados estes tesouros que ganhei de você: - um pano de prato com o desenho de suas mãozinhas pintadas nele, um poema escrito por você e dedicado a mim, uma flor de papel dobrada, tipo origami e depois de desdobrada, a frase que me dizia: - Mamãe, você é a melhor mãe do mundo, e eu te amo! Tenho aqui filha, impressa, tatuada na minha memória sua imagem caminhando em minha direção com os bracinhos abertos, e eu, pronta para o seu abraço, me deliciava com as demonstrações de seu amor por mim. A saudade desse tempo querida, me consome, e enquanto escrevo esta carta que vou ler pra você neste domingo, tenho os olhos cheios dágua. Estou chorando de saudades de você. E hoje esta saudade parece ser maior, se é possível ser, por causa das lembranças que o Dia das Mães sempre me traz.
São 10 anos filha, que vejo você aí parada, alheia a tudo, inconsciente e imóvel enquanto a vida passa e continua em movimento. Tantas coisas você perdeu nestes 10 anos filha, um tempo que não dá mais para recuperar. Resta-me continuar na luta para ver seus direitos respeitados. Tivéssemos uma justiça mais justa, há muito os culpados pelo acidente que a deixou assim, já teriam sido condenados a lhe pagar uma indenização que me permitisse cuidar melhor de você. Fossem os responsáveis pelo acidente que a deixou assim pessoas e empresas menos preocupados com dinheiro e mais com vidas humanas, o estrago que fizeram em sua vida não seria corrigido, mas você teria hoje um pouco mais de qualidade de vida. Mas sabe filha, tenho usado seu blog para alertar as pessoas para o perigo dos ralos de piscinas, e é como se você aí, mesmo em silêncio, me pedisse para fazer isto. E protesto filha, de forma insistente e ininterrupta, protesto contra a lentidão da justiça em fazer valer os seus direitos. Acho que com isto minha Princesa, estou exercendo a nossa cidadania, a minha que além de mãe, sou responsável por você, e a sua cidadania que lhe tiraram o direito de exercer.
Mas olha filha, não quero só falar da tristeza que tem sido conviver com seu estado de coma, seu silêncio, sua imobilidade, com a perda da sua capacidade para a vida, e de me demonstrar o seu amor, da forma que antes você fazia. Não quero falar dos afetos que perdemos, das pessoas queridas que se afastaram, porque sabe Flavia, essas pessoas não fazem isto por mal, se distanciam porque talvez não suportem mais ver o seu sofrimento e não sabendo o que fazer ou dizer, se afastam para ficar longe de suas dores. Aprendi querida, que a dor alheia a longo prazo é insuportável para o ser humano. E além disso, filha, aprendi também que as pessoas ficam em nossas vidas pelo tempo que é necessário que fiquem. E depois podem partir para ficar próximas a outras pessoas que talvez mais do que nós, tenham necessidade da presença delas. Essas pessoas se afastam filha, porque já cumpriram sua missão conosco. Mas a vida é renovação querida e novos amigos nos chegaram através de seu blog. São nossos amigos virtuais Flavia, e são assim chamados porque não estão à nossa frente, não nos tocam fisicamente, mas tocam profundamente a nossa alma, o nosso coração, e com eles podemos rir e chorar de emoção pelo que nos fazem e nos dizem através de seu blog querida, que tem facilitado nosso contato com o mundo. Pois é filha, temos muitos amigos conseguidos através de seu blog. (...) Estes que aqui mencionei e muitos outros que mesmo sem deixar comentários, passam por seu blog para saber notícias suas. Você Princesa, reuniu muitas pessoas em torno de sua causa, que por ser justa, nem precisou de sua voz para se fazer ouvir por pessoas que assim como eu, também ficam indignadas com a negligência, a impunidade e o desrespeito aos direitos humanos. E a voz desses amigos têm se juntado à nossa e embora a justiça ainda não nos tenha dado ouvidos, com tantas vozes somadas às nossas, a justiça haverá de nos ouvir, Flavia. O seu silêncio filha, tem ecoado alto e atravessado fronteiras. Esperemos que ele seja ouvido aqui no Brasil – em Brasília e que sem mais demora se faça justiça pra você. Vamos confiar que isto aconteça antes do próximo DIA DAS MÃES.
Um beijo especial de sua mãe neste dia que você tanto gostava de festejar. Receba também um abraço de seu irmão, um filho também muito querido para mim. Amo muito vocês dois.
(Odele Souza, 11 de Maio 2008)

Existem, certamente, muitos casos como o da Flávia por esse mundo fora. Histórias de dramas pessoais, cujo pano de fundo é a injustiça e a impunidade. É nosso dever falar, dar a conhecer e ajudar a erguer bem alto a bandeira da solidariedade na luta pela verdade.
Lembro-me de alguém a quem foi pedido um minuto de silêncio pelas vítimas de uma outra luta, também ela desigual, e que respondeu: pois por essas mesmas vítimas vos digo que nem um só minuto me calarei!

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Queridos amigos e visitantes
Esta "rentrée" não foi nada como estava à espera! Com equipamento emprestado lá consegui vir aqui dar uma palavrinha. Tenho tudo avariado. Foi um ar que se lhe deu, até à mais pequena porca e parafuso, até ao mais delgadinho fio!
Inacreditável como tudo isto nos faz falta. Quando nos habituamos a determinada coisa e depois ela se esvai sem se saber porquê ou como, ficamos assim, como diria a minha avó, como o "paulino no deserto".
E a pensar que ainda há alguns anos atrás eu era um calhau com dois olhos em matéria de computadores, internet e afins, e agora estou em estado de desolação e, se fosse dada a isso, à beira de um ataque de nervos! Mas é assim a vida! Voltei ao lápis e ao papel, e pelo andar da coisa ainda vou ter que usar a minha pena de pato que me olha com ar provocante da segunda prateleira da estante! Ah! Marfada!
Estou com saudades, é o que é! Saudades das visitas aos amigos, das espreitadelas aos blogs magníficos e bem dispostos, das idas aos comentários... Enfim, foi um mundo novo que descobri e no qual gosto de estar, conviver e participar. Até parece que me sinto um bocado coxa.
A todos os que têm vindo aqui e me deixaram um comentário, muito obrigado. A todos os que têm vindo dar uma espreitadela e não encontraram nada de novo, muito obrigado também!
Assim que puder responderei a todos com uma alegria especial, a do regresso!
A todos, bjinhos, bjs, abraços e apertos de mão! Até mais logo!!!

domingo, 31 de agosto de 2008

Fim de Férias

Que me desculpem os meus amigos e visitantes masculinos, mas não resisto a apresentar esta carta de férias!

Querida:

Muito obrigado pela tua linda e carinhosa carta.
Podes ter a certeza de que eu sei tratar de mim, por isso, não te preocupes comigo.
Durante a tua ausência, não se tem passado nada de especial cá em casa.
Enquanto estás fora, tenho preparado o meu próprio almoço, e todos os dias me espanto de como tudo tem saído bem!...
Já que estou sempre com pressa, ontem decidi fazer batatas fritas. Já agora, diz-me uma coisa: era preciso descascar as batatas?
Enquanto estavam a fritar, aproveitei para ir buscar uns brioches à padaria. Quando voltei, o esmalte da frigideira tinha derretido. Nunca pensei que o estupor da frigideira aguentasse tão pouco. E tu que me dizias que oTeflon aguentava tudo e mais alguma coisa!
Já consegui tirar toda a fuligem da cozinha, mas o nosso gato Fred, é que ficou preto que nem um tição, e agora tosse o dia inteiro…
Desde esse dia entra em pânico e foge quando mexo nas panelas ou abro o bico do fogão.
Já que pelo menos uma vez por dia preciso de uma refeição mais elaborada, quando estou a fazê-la, o Fred dá 'às de Vila Diogo' e só aparece passadas umas horas ...
Diz-me outra coisa: quanto tempo é que é preciso para cozer os ovos?
Eu já os pus a ferver há duas horas, mas mesmo assim, continuam duros que nem uma pedra!
Também queria que me dissesses se se pode aproveitar leite queimado. Queres que o guarde na despensa até tu voltares?
Na semana passada tive um pequeno contratempo ao cozinhar umas ervilhas.
Vou-te contar: agarrei numa lata e decidi aquecê-la. Mas, infelizmente, explodiu dentro do microondas. A porta do microondas foi projectada para fora da cozinha e foi dar contra a nossa pequena estufa de inverno, que claro, ficou partida, assim como a janela. Como a janela estava fechada (preciso de a fechar antes de começar a cozinhar, senão os bombeiros aparecem outra vez), a porta do microondas arrancou-a também, tal foi a força. Por sua vez, a lata de ervilhas, parecia um foguete a levantar voo!... Atravessou o tecto e foi embater na filha do Freitas, o nosso vizinho de cima.
Parece-me que ela ficou bem…
Outra coisa: já te aconteceu a louça suja ficar com mofo?
Como é que isto se pode dar em tão pouco tempo?
Afinal, tu foste de férias no mês passado, mas parece que foi ontem!
Aliás, atrás do lava-louças há montes de bichos; daqui a pouco até vai dar para fazer um documentário e vendê-lo ao 'National Geographic'… De onde é que saíram tantos bichos cheios de pernas? Puseste alguma coisa que não devias lá atrás?
Bom, isto acabou por fazer com que eu tomasse uma atitude e lavasse a louça.
Por favor não me insultes, meu amor, mas aquele lindo serviço de jantar de porcelana da tua avó, já era… Eu realmente não contava com isso, afinal de contas parecia tão robusto e sólido!
Bom, talvez eu tenha exagerado um bocadinho ao pôr o lava-louças no 'programa completo com centrifugação'… Aliás, a máquina de lavar roupa também se escangalhou.
A faca de aço temperado que eu pus lá dentro, sem querer, estragou o cilindro durante a centrifugação, porque ficou presa na parede interna. Quanto ao cilindro, atravessou a parede de tijolos, fazendo um pequeno buraco, e foi aterrar no jardim.
Durante um dos almoços, sujei a carpete persa com molho de tomate.
Sempre me disseste que as manchas do molho de tomate são impossíveis de tirar.
Ficas a saber, meu amor, que com um bocadinho de aguarrás, sai tudo, mas mesmo tudo, inclusivamente, a lã e a seda da carpete.
O frigorífico estava a fazer muito gelo, por isso, tive que o descongelar.
Tenho que te ensinar uma coisa: o gelo sai facilmente se o raspares com uma espátula de pedreiro! Só não sei é porque é que agora passou a aquecer...
O iogurte, a água com gás e o champanhe, explodiram.
Sabes, querida, na passada quinta-feira, esqueci-me de, ao sair, fechar à chave a porta de casa.
Alguém deve ter entrado, porque faltam algumas coisas de valor, entre elas, aquele colar de marfim que o teu bisavô trouxe da expedição a África, no século XIX.
Mas, como tu costumas dizer, o dinheiro não dá felicidade, e tudo o que é material, é efémero.
O teu guarda-vestidos também está vazio, mas penso que não devem ter levado muita coisa, já que, sempre que saímos, tu dizes que não tens nada que vestir…
Bom, vou ficar por aqui, mas amanhã conto-te mais coisas!
Espero que te descontraias bastante no SPA e que gozes muito o teu descanso.
Beijos mil, com muito amor, do teu Afonso que muito te ama!!!

Beijos, do teu dedicado marido.

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