
Flávia é uma jovem brasileira de 20 anos. Há 10 anos, quando brincava na piscina do condomínio onde morava, os seus cabelos foram sugados pelo ralo, originando uma situação de quase afogamento que a atirou para uma coma vigil: abre os olhos de dia, fecha-os à noite, mas não interage com o meio envolvente e depende de todos para tudo. Desde o acidente que a mãe, Odele de Souza, luta na justiça pelos direitos que lhe são devidos mas os responsáveis continuam impunes.
Quando vocês se juntam a mim e à minha filha, esta luta contra a NEGLIGÊNCIA e a IMPUNIDADE deixa de ser uma luta solitária. Quando vocês se juntam à mim e à Flavia contra a MOROSIDADE DA JUSTIÇA, estamos todos nós, do Brasil e todos os outros países presentes no blog de Flavia, exercendo não só a nossa cidadania, como a cidadania daqueles que por razões, as mais diversas, não têm como se fazer ler, nao têm como se fazer ouvir e por isso continuarão no anonimato. Sabemos que muitas outras Flavias, vitimas de NEGLIGÊNCIA e IMPUNIDADE existem, no Brasil e no mundo, à espera de justiça. Uma justiça que por ser tão lenta, acaba por beneficiar os culpados e punir as vítimas. Que nossa união, que nossa indignação coletiva contra a morosidade da justiça, represente, além de minha filha Flavia, também essas pessoas anônimas.(Odele Souza, 27 de Agosto de 2008).
Divulgar o caso da Flávia, a menina do sorriso roubado, é um dever e uma obrigação. Como mãe, a história de Flávia emociona-me. Como mãe, a luta de Odele toca-me profundamente. Por isso transcrevo a carta que ela escreveu à filha no dia da Mãe, 11 de Maio de 2008. São palavras de saudade e de esperança, de luta e de fé e de gratidão e , acima de tudo, de um amor incondicional.
Flávia,
Você sabe querida, que nunca dei muita importância a comemorações de “dia disso e dia daquilo”, incluindo o Dia das Mães, porque como eu lhe dizia filha, dia das mães são todos os dias, e você com sua voz mimosa de menina sapeca respondia. - Eu sei mamãe, mas olha o que preparei pra você na minha escola; foi minha professora quem me ajudou a fazer, mas o que aí está escrito foi idéia "minha.”. E você frisava o “minha”. Ainda tenho filha, guardados estes tesouros que ganhei de você: - um pano de prato com o desenho de suas mãozinhas pintadas nele, um poema escrito por você e dedicado a mim, uma flor de papel dobrada, tipo origami e depois de desdobrada, a frase que me dizia: - Mamãe, você é a melhor mãe do mundo, e eu te amo! Tenho aqui filha, impressa, tatuada na minha memória sua imagem caminhando em minha direção com os bracinhos abertos, e eu, pronta para o seu abraço, me deliciava com as demonstrações de seu amor por mim. A saudade desse tempo querida, me consome, e enquanto escrevo esta carta que vou ler pra você neste domingo, tenho os olhos cheios dágua. Estou chorando de saudades de você. E hoje esta saudade parece ser maior, se é possível ser, por causa das lembranças que o Dia das Mães sempre me traz.
São 10 anos filha, que vejo você aí parada, alheia a tudo, inconsciente e imóvel enquanto a vida passa e continua em movimento. Tantas coisas você perdeu nestes 10 anos filha, um tempo que não dá mais para recuperar. Resta-me continuar na luta para ver seus direitos respeitados. Tivéssemos uma justiça mais justa, há muito os culpados pelo acidente que a deixou assim, já teriam sido condenados a lhe pagar uma indenização que me permitisse cuidar melhor de você. Fossem os responsáveis pelo acidente que a deixou assim pessoas e empresas menos preocupados com dinheiro e mais com vidas humanas, o estrago que fizeram em sua vida não seria corrigido, mas você teria hoje um pouco mais de qualidade de vida. Mas sabe filha, tenho usado seu blog para alertar as pessoas para o perigo dos ralos de piscinas, e é como se você aí, mesmo em silêncio, me pedisse para fazer isto. E protesto filha, de forma insistente e ininterrupta, protesto contra a lentidão da justiça em fazer valer os seus direitos. Acho que com isto minha Princesa, estou exercendo a nossa cidadania, a minha que além de mãe, sou responsável por você, e a sua cidadania que lhe tiraram o direito de exercer.
Mas olha filha, não quero só falar da tristeza que tem sido conviver com seu estado de coma, seu silêncio, sua imobilidade, com a perda da sua capacidade para a vida, e de me demonstrar o seu amor, da forma que antes você fazia. Não quero falar dos afetos que perdemos, das pessoas queridas que se afastaram, porque sabe Flavia, essas pessoas não fazem isto por mal, se distanciam porque talvez não suportem mais ver o seu sofrimento e não sabendo o que fazer ou dizer, se afastam para ficar longe de suas dores. Aprendi querida, que a dor alheia a longo prazo é insuportável para o ser humano. E além disso, filha, aprendi também que as pessoas ficam em nossas vidas pelo tempo que é necessário que fiquem. E depois podem partir para ficar próximas a outras pessoas que talvez mais do que nós, tenham necessidade da presença delas. Essas pessoas se afastam filha, porque já cumpriram sua missão conosco. Mas a vida é renovação querida e novos amigos nos chegaram através de seu blog. São nossos amigos virtuais Flavia, e são assim chamados porque não estão à nossa frente, não nos tocam fisicamente, mas tocam profundamente a nossa alma, o nosso coração, e com eles podemos rir e chorar de emoção pelo que nos fazem e nos dizem através de seu blog querida, que tem facilitado nosso contato com o mundo. Pois é filha, temos muitos amigos conseguidos através de seu blog. (...) Estes que aqui mencionei e muitos outros que mesmo sem deixar comentários, passam por seu blog para saber notícias suas. Você Princesa, reuniu muitas pessoas em torno de sua causa, que por ser justa, nem precisou de sua voz para se fazer ouvir por pessoas que assim como eu, também ficam indignadas com a negligência, a impunidade e o desrespeito aos direitos humanos. E a voz desses amigos têm se juntado à nossa e embora a justiça ainda não nos tenha dado ouvidos, com tantas vozes somadas às nossas, a justiça haverá de nos ouvir, Flavia. O seu silêncio filha, tem ecoado alto e atravessado fronteiras. Esperemos que ele seja ouvido aqui no Brasil – em Brasília e que sem mais demora se faça justiça pra você. Vamos confiar que isto aconteça antes do próximo DIA DAS MÃES.
Um beijo especial de sua mãe neste dia que você tanto gostava de festejar. Receba também um abraço de seu irmão, um filho também muito querido para mim. Amo muito vocês dois. (Odele Souza, 11 de Maio 2008)
Existem, certamente, muitos casos como o da Flávia por esse mundo fora. Histórias de dramas pessoais, cujo pano de fundo é a injustiça e a impunidade. É nosso dever falar, dar a conhecer e ajudar a erguer bem alto a bandeira da solidariedade na luta pela verdade.
Lembro-me de alguém a quem foi pedido um minuto de silêncio pelas vítimas de uma outra luta, também ela desigual, e que respondeu: pois por essas mesmas vítimas vos digo que nem um só minuto me calarei!