Crónica de Olavo Bilac sobre os Jogos Olímpicos na Grécia Antiga, lida aqui
Jogos Olímpicos...
Por Olavo Bilac
É impossível escrever ou ler essas duas palavras, sem
evocar a idade de ouro da humanidade, no berço daquela Grécia divina, cuja
misteriosa e indizível saudade arde perpétua, por um milagre psíquico, na alma
de todo o homem que pensa. Tal é o prestígio da Helade antiga, que cada um de
nós, fechando os olhos, vê reproduzirem-se todo o cenário, toda a gente, toda a
história, todos os costumes dessa remotíssima idade.
É que cada um de nós,
artistas e poetas, sempre tem dentro da própria alma um pouco da alma da gente
do Peloponeso.
Jogos Olímpicos da velha Helade! O céu azul encurvava-se,
amoroso e alegre fulgido de sol, sobre a arena que se dilatava, numa imensa
elipse cercada de pórticos alvos. Fora da área dos jogos, ficavam as piscinas
de mármore. O barulho da água corrente cantava perto. Homens de carne moça, de
fortes músculos endurecidos pelo exercício violento – gente sóbria, que se
alimentava com um punhado de azeitonas, uma sardinha e um pouco d’água pura, –
saíam nus do banho, dando aos beijos do sol os corpos apolíneos, esfregavam-se
com almofaças de pelo áspero, untavam a pelo com óleos aromáticos, e em três
saltos felinos chegava à arena.
Sobre os degraus de pedra do anfiteatro, a multidão
esperava em silêncio, a cabeça descoberta, os pés em sandálias de couro, com
uma simples túnica sobre o corpo.
No centro os juízes, coroados de louro e
carvalho, numa altitude de deuses, deixavam cair, arrastados no pó, os largos
mantos de púrpura.
E um arauto perto deles esperava o nome do vencedor para o
anunciar, pela fanfarra da sua voz retumbante, à assembleia, ao país e à glória.
Eram primeiro as corridas a pé, derredor do estádio. Os
pés firmes batiam a terra numa cadência triunfal. Uma nuvem de poeira dourada
cobria, irizando-se ao sol, a massa humana, que voava. Depois, eram as corridas
de carros: as leves bigas e as pesadas quadrigas, tiradas por cavalos em pelo,
disparavam, num estrilar de patas e ferragens...Depois, a multidão agitava-se, esmagava-se,
pisava ansiosa e o exercício do pentatlo começava.
Firmavam-se os atletas em pontas de pés, encurtavam o
corpo apresentando-se para o salto, contraíam todos os músculos; e, de repente,
como arcos dobrados que se distendem violentamente, rompiam do solo com a
impetuosidade de molas e aço e arrojavam-se gloriosamente para o ar. E essa
ascensão entusiasmava a multidão; os espectadores viam ali a subida vitoriosa
da raça para a perfeição divina, para o seio do Olimpo, para a glória da
imortalidade.
Os escravos traziam então os discos e os dardos. Bíceps
de bronze inchavam em braços de mármore. As garrochas finas e agudas partiam,
silvando, zunindo e cravam-se fundo no alvo, com uma palpitação em todas as
suas plumas; e o rumor claro dos discos entrechocados cantava no ar.
E, subitamente, dois moços, grandes e belos, mediam-se
com os olhos, estirando os braços apertados em braços de ouro, e amplexavam-se.
Um silêncio ansioso pairava sobre o circo: e nessa nudez completa da multidão,
soava alto o resfolego dos lutadores, cujos corpos, estreitamente unidos,
oscilavam.
Os seus ossos estalavam; o chão da arena tremia ao peso
do combate de semi-deuses. E quando um deles caía, ofegando sobre o joelho do
outro – para o claro azul do céu deslumbrante subia, como o bramir de uma
tempestade, a aclamação da assembleia.
O nome do herói, repetido por vinte mil bocas, voava a
todos os confins da Grécia, e o vencedor, empunhando um ramo de oliveira,
caminhava em triunfo para a sua cidade natal.