domingo, 29 de julho de 2012

Londres 2012 - a propósito

Crónica de Olavo Bilac sobre os Jogos Olímpicos na Grécia Antiga, lida aqui
 
Jogos Olímpicos...
Por Olavo Bilac
 
É impossível escrever ou ler essas duas palavras, sem evocar a idade de ouro da humanidade, no berço daquela Grécia divina, cuja misteriosa e indizível saudade arde perpétua, por um milagre psíquico, na alma de todo o homem que pensa. Tal é o prestígio da Helade antiga, que cada um de nós, fechando os olhos, vê reproduzirem-se todo o cenário, toda a gente, toda a história, todos os costumes dessa remotíssima idade.
É que cada um de nós, artistas e poetas, sempre tem dentro da própria alma um pouco da alma da gente do Peloponeso.
Jogos Olímpicos da velha Helade! O céu azul encurvava-se, amoroso e alegre fulgido de sol, sobre a arena que se dilatava, numa imensa elipse cercada de pórticos alvos. Fora da área dos jogos, ficavam as piscinas de mármore. O barulho da água corrente cantava perto. Homens de carne moça, de fortes músculos endurecidos pelo exercício violento – gente sóbria, que se alimentava com um punhado de azeitonas, uma sardinha e um pouco d’água pura, – saíam nus do banho, dando aos beijos do sol os corpos apolíneos, esfregavam-se com almofaças de pelo áspero, untavam a pelo com óleos aromáticos, e em três saltos felinos chegava à arena.
Sobre os degraus de pedra do anfiteatro, a multidão esperava em silêncio, a cabeça descoberta, os pés em sandálias de couro, com uma simples túnica sobre o corpo. 
No centro os juízes, coroados de louro e carvalho, numa altitude de deuses, deixavam cair, arrastados no pó, os largos mantos de púrpura.
E um arauto perto deles esperava o nome do vencedor para o anunciar, pela fanfarra da sua voz retumbante, à assembleia, ao país e à glória. 
Eram primeiro as corridas a pé, derredor do estádio. Os pés firmes batiam a terra numa cadência triunfal. Uma nuvem de poeira dourada cobria, irizando-se ao sol, a massa humana, que voava. Depois, eram as corridas de carros: as leves bigas e as pesadas quadrigas, tiradas por cavalos em pelo, disparavam, num estrilar de patas e ferragens...Depois, a multidão agitava-se, esmagava-se, pisava ansiosa e o exercício do pentatlo começava.   
Firmavam-se os atletas em pontas de pés, encurtavam o corpo apresentando-se para o salto, contraíam todos os músculos; e, de repente, como arcos dobrados que se distendem violentamente, rompiam do solo com a impetuosidade de molas e aço e arrojavam-se gloriosamente para o ar. E essa ascensão entusiasmava a multidão; os espectadores viam ali a subida vitoriosa da raça para a perfeição divina, para o seio do Olimpo, para a glória da imortalidade.
Os escravos traziam então os discos e os dardos. Bíceps de bronze inchavam em braços de mármore. As garrochas finas e agudas partiam, silvando, zunindo e cravam-se fundo no alvo, com uma palpitação em todas as suas plumas; e o rumor claro dos discos entrechocados cantava no ar.
E, subitamente, dois moços, grandes e belos, mediam-se com os olhos, estirando os braços apertados em braços de ouro, e amplexavam-se. Um silêncio ansioso pairava sobre o circo: e nessa nudez completa da multidão, soava alto o resfolego dos lutadores, cujos corpos, estreitamente unidos, oscilavam.  
Os seus ossos estalavam; o chão da arena tremia ao peso do combate de semi-deuses. E quando um deles caía, ofegando sobre o joelho do outro – para o claro azul do céu deslumbrante subia, como o bramir de uma tempestade, a aclamação da assembleia.
O nome do herói, repetido por vinte mil bocas, voava a todos os confins da Grécia, e o vencedor, empunhando um ramo de oliveira, caminhava em triunfo para a sua cidade natal.
 

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Imagem Queimada

Num jogo de palavras que tenta esconder a tristeza, classifico a semana que passou de infernal. O pesadelo por que passou parte da serra algarvia tocou-nos a todos: a uns pelo sofrimento direto da perda do ganha pão, a outros pelo pânico da perda eminente, e a outros ainda pelo pavor das imagens plasmadas nos ecrãs dos pc's ou tv's. 
A todos tocou, também, o esforço quase sobrehumano dos bombeiros, esses heróis dos momentos aflição, mas quase esquecidos o resto do tempo.
Mas, pelos vistos, não tocou a todos. Tirando a mensagem mais ou menos implícita ao cargo do sr. presidente da república e a outra de idêntico teor inócuo do sr. primeiro ministro, mais ninguém com responsabilidades governativas deu a cara, aqui no nosso Algarve. Tirando as imagens do ministro que foi a correr à Madeira ( também ela em grandes e graves apuros) nada mais vimos nem ouvimos. Ficaria certamente bem termos visto junto às chefias coordenativas da Proteção Civil e Bombeiros as caras dos ministros que têm gerido mal as nossas vidas. Ficava-lhes bem. As nossas desilusões acalmavam-se por momentos e vestiam-se de novas ilusões de que talvez eles sempre estivessem mais próximos do que pareciam. Ausentes, pelo menos nas palavras de conforto, na tragédia, esses ministros mostraram efetivamente para quem governam e como governam. A sua imagem ficou mais queimada do que a bela paisagem da serra algarvia. E tal como ela, levará muito tempo a recompor, se é que terá já algum conserto.
da net

domingo, 15 de julho de 2012

Resta a esperança

 Já há alguns dias , largos dias, que andamos com uma espécie de terror branco nas nossas cabeças: temos lugar, não temos? Como vai ser? E as respostas foram dadas no final da semana - umas de forma frontal, em direto, outras de forma mais miserável, em forma de recados indiretos. Quantos de nós estão a sofrer na pele a dispensa de trabalho. Quantos de nós virão a estar no próximo ano. Não abre telejornais, mas devia abrir, ocupados que estão em esmiuçar buscas de conhecimento permanente, fraudulentamente certificadas mas, ao que parece, plenas de legalidade. 
Para muitos de nós, a dedicação, o empenho e o profissionalismo diluiram-se na incerteza de um amanhã. A esperança é tudo o que resta.

Poema de agradecimento à corja    

Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado
pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem
dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.


Joaquim Pessoa