quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Palavras soltas

Aqui há uns tempos falei sobre serenidade e da mais valia que ela representava para a perspetiva que temos das coisas que nos cercam. Como gostaria de dizer que, neste início de ano, a serenidade "é um sentimento que me assiste"! Mas não. Estas são mesmo letras de descontentamento. Poderia enumerar as exaltações, as raivas, os pasmos, as incompreensões, mas só iria agravar o sarilho em que o meu entendimento anda enrolado.
Vá lá, respira fundo...
Hoje, o telejornal de uma das televisões dedicou-se a fazer a apologia do esforço imediatamente compensado, do sucesso que cai no colo de qualquer um, das facilidades que saem ao nosso encontro assim como quem não quer a coisa, do desafio aliciante em que a vida se tornou e onde as palavras austeridade, cortes e aumentos não passam de nomes comuns, abstratos, vagamente contáveis e sem adjetivação que lhes confira relevância.  Estamos mal? Bem, uns menos mal, outros nada mal. Outros ainda só pensam em fazer mal.Refaço a reflexão: alguns de nós estão mal, mas são sempre os mesmos e, pelos vistos, são poucos.
Acresce a isto a nova, ou não tão nova assim, classe emergente de comentadores radiotelevisivos, que da sua "zona de conforto" bem remunerada  dão palpites, explicações, prognósticos e afins, e que fazem empalidecer qualquer resquício de serenidade.Para que servem esses píncaros elevados da filosofia, em cima dos quais nenhum ser humano se pode colocar, e essas regras que excedem a nossa prática e as nossas forças? Vejo frequentes vezes proporem-nos modelos de vida que nem quem os propõe nem os seus auditores têm alguma esperança de seguir ou, o que é pior, desejo de o fazer. (Michel de Montaigne, in "Ensaios - Da Vaidade").
Então, deixa-me cá ir à procura de uma poesiazita, que se não me devolve a serenidade pelo menos traz-me calmaria.

(Não é bem isto que me apetece fazer, mas como anseio tanto que a serenidade me assista...)


Meto-me para Dentro

Meto-me para dentro, e fecho a janela.

Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XLIX"
Heterónimo de Fernando Pessoa