sábado, 31 de julho de 2010

Celebrar a Vida




Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraiso?
...Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?



Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
E só de mim que ando delirante
-Manhã tão forte que me anoiteceu.

imagem: NOITES DE ANTO, De Mário Caudio, Casa da Comédia - 1988
poema: Mário Sá-Carneiro
António Feio (1954-2010)


sábado, 24 de julho de 2010

No tempo das cerejas...

Ela dizia que tinha nascido no mês das cerejas, por não saber exactamente quando. Mas o que ela sabia bem era cantar. Amália cantou, muito e bem. Um dia deitou-se a escrever versos. Palavras e rimas, onde o amor soava a dor e a sorte encontrava-se na morte.




Horas de Vida Perdida



Horas de vida perdida
à procura de viver
Vai-se à procura da vida
Não a encontra quem quer


Quem sou eu para dizer
Quem sou eu para o saber
Nem sei se sou ou não sou
Ninguém pode conhecer
Isso de ser ou não ser


Sem saber sei entender
Assim sei o que não sei
Sinto que sou e não sou
Entre o que sei e não sei
A minha vida gastei
Sem conseguir entender


Ai quem me dera encontrar
As rimas da poesia
Ai se eu soubesse rimar
Tantas coisas que eu dizia
Amália Rodrigues, Versos






domingo, 4 de julho de 2010

Poesia

Identidade


Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"