segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pescador


Sou filha e neta de Pescadores. O Mar e as lides da pesca sempre fizeram parte da minha vida. Agora tudo mudou e tudo é diferente. Já não tenho a pesca, mas continuo a ter o Mar dentro do coração e ao alcance da vista.
Esta é a minha humilde homenagem:
Poveiro

Poveirinhos! meus velhos pescadores!
Na Agoa quizera com vocês morar:
Trazer o lindo gorro de trez cores,
Mestre da lancha Deixem-nos passar!
Far-me-ia outro, que os vossos interiores
De ha tantos tempos, devem já estar
Calafetados pelo breu das dores,
Como esses pongos em que andaes no mar!
Ó meu Pae, não ser eu dos poveirinhos!
Não seres tu, para eu o ser, poveiro,
Mailo irmão do «Senhor de Mattozinhos»!
No alto mar, às trovoadas, entre gritos,
Promettermos, si o barco fôri intieiro,
Nossa bela à Sinhora dos Afflictos!

António Nobre, in 'Só'

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Crónica de nada

Ai, blog, blog, que te quis diário, ou pelo menos assíduo, e agora para aqui andas a fintar o tempo, falando aos soluços, com pouca vontade de conversar.
Não é que não tenha havido motivos de conversa, serena ou exaltada. Não senhor. Estas duas últimas semanas então...foi um festival, de gritos, de palavras, de discursos.
Houve festa, muita festa vermelha a encher o peito dos adeptos do futebol, que de outro desporto não se costuma tecer tamanhas e alcandroadas glórias.
Glória aos céus, gritaram outros adeptos no fervor das bandeirinhas e das camisas estampadas que receberam o Papa Bento XVI, figura máxima de uma Igreja Católica que se deseja purificada de uns salpicos mal-amados. Fátima foi o altar do mundo, coadjuvada pelas duas capitais do país.
Pouco amado e quase deserto de adeptos andou o Fado durante alguns anos. Ficou fora de moda e andou por aí erradamente aparentado com um nacional-cançonetismo que trazia más memórias. Qual náufrago abandonado à sua sorte que vê aparecer terra no horizonte, o Fado ressurgiu em vozes frescas que passeiam por outras sonoridades e eis que se torna o centro das atenções, deslizando majestoso direito a uma candidatura a património mundial.
E para terminar estas semanas de "F"'s veio o plano de austeridade para salvar este país das incongruências do nada. Uns dizem que sim, que é preciso sacrifícios para remediar a coisa. Uns dizem que não, que quem comeu a carne que roa agora os ossos. Uns dizem que isto está mesmo por um fio. Outros dizem que estamos a crescer mais do que se pensava e que estamos à frente não sei de que fila... É aqui que entra o tal "f" , que eu, por pudor linguístico e não querendo incentivar o uso de mediocridades vocabulares, me escuso de completar.

Afinal, meu bloguesito de estimação, sempre deitaste cá para fora o que aí tinhas guardado. Não era nada, mas sempre ficaste aliviadito.

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E para celebrar o Dia da Literatura da Galiza, recordo um excerto de um belíssimo poema de Rosalía de Castro (A Orillas del Sar)

Adivínase el dulce y perfumadocalor primaveral;
los gérmenes se agitan en la tierra
con inquietud en su amoroso afán,
y cruzan por los aires, silenciosos,
átomos que se besan al pasar.
Hierve la sangre juvenil, se exaltalle
no de aliento el corazón, y audaz
el loco pensamiento sueña y cree
que el hombre es, cual los dioses, inmortal,
No importa que los sueños sean mentira,
ya que al cabo es verdad
que es venturoso el que soñando muere,
infeliz el que vive sin soñar.
¡Pero qué aprisa en este mundo triste
todas las cosas van!
¡Que las domina el vértigo creyérase!
La que ayer fue capullo, es rosa ya,
y pronto agostará rosas y plantas
el calor estival.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A Nossa Língua Portuguesa

E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por grosseira, nem por bons os argumentos com que alguns querem provar que é essa; antes é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura. Para falar é engraçada com um todo senhoril, para cantar é suave com um certo sentimento que favorece a música; para pregar é substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para histórias nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias. A pronunciação não obriga a ferir o céu da boca com aspereza, nem a arrancar as palavras com veemência do gargalo. Escreve-se da maneira que se lê, e assim se fala. Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da Latina, a origem da Grega, a familiaridade da Castelhana, a brandura da Francesa, a elegância da Italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé da sua antiguidade. E se à língua Hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta quanto a nossa. E, para que diga tudo, só um mal tem: e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte.
Francisco Rodrigo Lobo (1580-1622), Corte na Aldeia,Diálogo I
Para quando um Museu da Língua Portuguesa, em Portugal?

sábado, 1 de maio de 2010

Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...



Eugénio de Andrade