terça-feira, 27 de abril de 2010

Lembrar Mário de Sá-Carneiro

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minhalma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar...

Mário de Sá-Carneiro (n.1890-m.26 de Abril de 1916)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Planeta dos Livros

Ontem foi o Dia da Terra Mãe, hoje é o Dia do Livro, daqui a dois dias será o Dia dos Dias Todos. Tanta comemoração, tanto para dizer, para escrever, para reflectir. Mas o tempo não ajuda. Tempo do relógio, tempo do ar, tempo da vida.
A Terra Mãe acenou-nos com um vulcão, aquele de nome indizível, que virou a vida do avesso, esta vida que criámos, montados em tecnologia de ponta e pressa de chegar aos destinos, num destino que ainda vamos a tempo de mudar se respondermos com um sorriso de boa vontade aos avisos que esta Terra nos manda.



Dos Livros, partilho convosco a capa de dois. O primeiro é de um tempo que existiu, em que a inocência e a honestidade nas relações humanas era conta corrente na vida das pessoas. Não o partilho com saudosismo, mas antes como uma terna lembrança.


O segundo recorda um tempo que foi vivido pela minha geração e que terminou em 25 de Abril de 1974. A guerra do Ultramar, não sendo assunto tabu, ainda carrega feridas que não sararam totalmente. É o eterno problema da resolução do passado para se caminhar no presente sem medo do futuro.

E agora deixo Fernando Pessoa falar pela boca de um dos seus heterónimos.

Estou cansado, é claro,

Porque, a certa altura,

a gente tem que estar cansado.

De que estou cansado, não sei:

De nada me serviria sabê-lo,

Pois o cansaço fica na mesma.

A ferida dói como dói

E não em função da causa que a produziu.

Sim, estou cansado,

E um pouco sorridente

De o cansaço ser só isto

— Uma vontade de sono no corpo,

Um desejo de não pensar na alma,

E por cima de tudo uma transparência lúcida

Do entendimento retrospectivo...

E a luxúria única de não ter já esperanças?

Sou inteligente; eis tudo.

Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,

E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,

Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Álvaro de Campos, in "Poemas"

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Abril de Novo

Andamos atordoados. Eu, pelo menos, ando atordoada. Abro um qualquer jornal, ligo a televisão num qualquer canal e tudo gira à volta do mesmo grupo de palavras-chave, promovidas a chavões ou bordões de amparo das coisas ilógicas, discrepantes, desconexas: suspeitas e mais suspeitas de corrupção, milhões e mais milhões ganhos só "porque se cumprem objectivos", violência e mais violência insana e inútil. Andamos inundados neste mar de enrolos e vamos tocando a nossa vida, a olhar para o lado e a desejar que o insólito não nos caia em cima e vamos para àquele canal que é perito nessas coisas...insólitas.
Tantos sonhos que tivemos há trinta e seis anos. Uns tornaram-se realidade, outros desmaiaram-se nuns sonhos diferentes, outros continuaram sonhos.
Já tenho dado comigo a pensar que isto de lembrar Abril, vai sendo como as comemorações dos finais das duas Grandes Guerras em que os testemunhos vivos ou já não existem ou são muito poucos e por isso já nada se comemora, passou à história. É a Lei da Vida (e da Morte). Mas uma coisa é arrumar um acontecimento, uma lembrança ,lá muito no passado e outra é pegar nessa herança e capitalizá-la para render no presente e garantir o futuro.
Mas Abril já está aí. Não podemos desistir, nem do sonho nem da herança.


Enfim duma escolha faz-se um desafio

enfrenta-se a vida de fio a pavio

navega-se sem mar, sem vela ou navio

bebe-se a coragem até dum copo vazio

e vem-nos à memória uma frase batida

hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E entretanto o tempo fez cinza da brasa

e outra maré cheia virá da maré vazia

nasce um novo dia e no braço outra asa

brinda-se aos amores com o vinho da casa

e vem-nos à memória uma frase batida

hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Sérgio Godinho

domingo, 4 de abril de 2010

PÁSCOA

Um dia de poemas na lembrança
(também meus)
Que o passado inspirou.
A natureza inteira a florir
No mais prosaico verso.
Foguetes e folares,
Sinos a repicar,
E a carícia lasciva e paternal
Do sol progenitor
Da primavera.
Ah, quem pudera
Ser de novo
Um dos felizes
Desta aleluia!
Sentir no corpo a ressurreição.
O coração,
Milagre do milagre da energia,
A irradiar saúde e alegria
Em cada pulsação.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Livros Infantis

Para comemorar este Dia do Livro Infantil, partilho convosco uma versão da história do Capuchinho Vermelho, escrita por um jovem meu amigo, o Miguel Francisco, muito dado às letras e com uma inesgotável imaginação e criatividade.