sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Carnaval

Caretos, Carnaval de Podence, Portugal


Carnaval de Veneza


Carnaval no Bairro do Recife Antigo,Recife,
Pernambuco, Brasil

MASCARADA

Você me conhece?

(Frase dos Mascarados de antigamente)

- Você me conhece?

- Não conheço não.

- Ah, como fui bela!

Tive grandes olhos,

que a paixão dos homens

(estranha paixão!)

Fazia maiores...

Fazia infinitos.

Diz: não me conheces?

- Não conheço não.

- Se eu falava,

um mundo Irreal

se abria à tua visão!

Tu não me escutavas:

Perdido ficavas

Na noite sem fundo

Do que eu te dizia...

Era a minha fala

Canto e persuasão...

Pois não me conheces?

- Não conheço não.

- Choraste em meus braços

- Não me lembro não.

- Por mim quantas vezes

O sono perdeste

E ciúmes atrozes

Te despedaçaram!

Por mim quantas vezes

Quase tu mataste,

Quase te mataste,

Quase te mataram!

Agora me fitas

E não me conheces?

- Não conheço não.

Conheço que a vida

É sonho, ilusão.

Conheço que a vida,

A vida é traição.

Manuel Bandeira

Fotos da Net


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Agostinho da Silva


“Os mais fracos correm diante das suas emoções uma porta ondulada de ironia. Os mais fortes, porém, e eu desejo que você seja dos mais fortes, encerram-se num palácio de silêncio”.

“Cada vez vou sentindo mais que se não pode perceber o que seria essencial perceber, mas procedo sempre como se estivesse convencido do contrário, ou, por outras palavras, não renuncio”.

“Aqui tem você um conselho que lhe poderá servir para a sua filosofia: não force nunca; seja paciente pescador neste rio do existir. Não force a arte, não force a vida, nem o amor, nem a morte. Deixe que tudo suceda como um fruto maduro que se abre e lança no solo as sementes fecundas. Que não haja em si, no anseio de viver, nenhum gesto que lhe perturbe a vida”.

Agostinho da Silva, "Sete Cartas a um Jovem Filósofo"
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A quem faz pão ou poema
só se muda o jeito à mão
e não o tema.
Atingira um silêncio tão de espanto
que era todo universo à sua volta
um seduzido canto.
E posto que viver me é excelente
cada vez gosto mais de menos gente.
Não sei quem manda na vida
mas a quem for eu me entrego
e o que queira me decida.
Pé firme leve dança
que o saber seja adulto
mas o brincar de criança.
Agostinho da Silva, in “Uns Poemas de Agostinho

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Vidas

Queixa-se a Igreja Católica de falta de seguidores e de vocações. Não admira. Milenar, a Igreja mais representativa dos ensinamentos de Cristo não tem evoluído ao ritmo dos Homens. Agarrada a dogmas e directivas inflexíveis, tem introduzido lentos sinais de mudança de atitudes e perspectivas. Mas as aberturas de visão não têm sido suficientes e intensivas junto das populações de modo a criar laços efectivos de segurança e apoio. Tem havido excepções, mas que não modificam a regra. Recordo, por exemplo, o reconhecimento da atitude indiferente da Igreja face ao problema dos Judeus durante a 2ª Guerra Mundial; a tentativa de João Paulo II em aproximar todas as religiões; o trabalho desenvolvido pelas Missões. Mas o que falta à Igreja Católica são os pormenores de actuação. E é isto que me traz aqui à conversa.
Ouvi nas notícias que, em comunicado, o Vaticano pede perdão para os que contribuíram para a morte da italiana Eluana, e lamenta não se ter salvo uma vida. Contextualizada na sua visão dogmática de que só Deus dá a Vida e só Deus a tira, a comunicação até faz sentido. Mas poder-se-ia chamar Vida ao estado da infeliz mulher? Como poderia a jovem celebrar os dons de Deus se vegetava num corpo sem sopro, ligado a máquinas? Como se poderia salvar uma vida, se já não existia vida? Eu sei que isto é muito complicado e polémico. Sou mãe e avó. Mas se até os próprios pais clamavam por este momento em nome de um amor profundo de quem lhe deu vida, de quem cuidou, de quem educou e formou.
Na minha opinião, isto tem pouco a ver com a morte assistida, cuja discussão tem sido relançada ultimamente com os casos noticiados, um dos quais acompanhado em directo, com as despedidas da família e do doente. Não, o caso da Eluana é diferente. Aqui outras questões se põem e não creio que a Igreja Católica seja concordante. Falo do espírito. Falo da essência que dá vida a um corpo. Falo da liberdade do espírito da jovem mulher. De um espírito, que embora já não a habitasse, se mantinha junto dela sem possibilidades de evoluir, de seguir o caminho. Este acto que ontem foi realizado, não foi o descerrar de um pano de cena, foi antes um abrir as janelas para a liberdade, para a esperança, para a luz. Mas isto não aceita a Igreja Católica.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Carta à Aurora

Olá! Sê muito bem-vinda!

Há dois dias que chegaste a este mundo. Há muito que te esperávamos, até mesmo antes dos teus pais se conhecerem. Eras um sonho aninhado numa nuvem da cor da tristeza. E chegaste, com os olhos amendoados e um sorriso enigmático. Encheste-nos o coração de alegria, qual andorinha que anuncia a Primavera.
Agora quero apresentar-te o mundo em que vais viver e o que temos para ti.
Pelos teus olhos amendoados, prescutadores assim que acordas, sei que herdaste a frontalidade da tua bisavó Cila, e por isso começo pelos aspectos menos bons.
Estamos no início do século XXI e o mundo está um pouco descontrolado.
O Homem nunca soube cuidar do seu maior tesouro, a Terra, e agora ela apresenta sinais de desgaste. Avariou-se o clima: há secas onde antes havia chuva, os rios transbordam com cheias abundantes, o fogo executa bailados frenéticos num jogo de paixão com o calor excessivo e até a neve cobre desertos habitualmente quentes.
O Homem levou ao rubro a ambição e tornou-se escravo do dinheiro. Como resultado, o mundo entrou em grave crise. Agora os pobres estão mais no fundo da sua pobreza e os ricos mal aguentam a pressão de perderem milhões das suas fortunas. Há protestos sociais, desemprego em larga escala e fome. Não há guerras, mas os rastilhos são curtos. A religião ainda é motivo de perseguição. A segurança está abalada. A moralidade está em baixa e a mentira prevalece.
Mas, minha querida, o teu sorriso enigmático é a herança do optimismo do bisavô João. E assim digo-te que se os Homens estão a perder quase tudo, ainda falta o quase. E no fundo desta caixa de Pandora ainda está a Esperança, no verde das florestas, no azul cristalino do mar, no calor de um abraço fraterno, nos dias felizes da compreensão, no triunfo do conhecimento, na harmonia das relações, na brancura da paz.
E é isto que nós temos para te oferecer: muito Amor e Esperança.

Da tua avó

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Pela espera...


Desde a Aurora


Como um sol de polpa escura
para levar à boca,
eis as mãos:
procuram-te desde o chão,
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entre os veios do sono
e da memória procuram-te:
à vertigem do ar
abrem as portas:
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vai entrar o vento ou o violento
aroma de uma candeia,
e subitamente a ferida
recomeça a sangrar:
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é tempo de colher: a noite
iluminou-se bago a bago: vais surgir
para beber de um trago
como um grito contra o muro.
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Sou eu, desde a aurora,
eu — a terra — que te procuro.
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Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"
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