sábado, 29 de novembro de 2008

Amadeu Baptista

Contextualizado nas comemorações “Olhão da Restauração – 200 anos (1808-2008)”,a Câmara Municipal de Olhão decidiu criar o Prémio de Poesia João Lúcio cujo vencedor foi Amadeu Baptista com o livro “Poemas de Caravaggio”.

Amadeu Baptista é um poeta de créditos como provam os diversos prémios que lhe têm sido atribuídos e as inúmeras traduções da sua obra.
Da sua poesia diz Maria Graciete Besse : O universo poético de Amadeu Baptista vive da presença ardente do Outro, do cruzamento de olhares e significações, da circulação indefinida entre o Eu, o Tu e o Mundo. Esta dinâmica esconde contudo um movimento mais subtil: o olhar que pousa sobre o Outro revela-se essencialmente a si mesmo na angústia do vazio, no espaço da ausência, da morte. A ordem relacional da abertura que define a temática sensível dos poemas transforma-se em projecção ideal de caminhos de esperança, utópicos movimentos de fascínio (...).


Confesso que não conhecia Amadeu Baptista. Parti à sua descoberta. Acompanhem-me, por favor…

METAMORFOSE E MASSACRE
(fragmentos)

Os dedos demoram-se na sombra.

Suspendem-se no sangue poeiras germinantes, turvos
fluidos, fios translúcidos de sal e deslumbramento
que detêm o silêncio e estancam a luz.

Desvenda o coração o que o coração oculta.

A sombra revela o significado oculto desse ritual que o fogo
acumula no obscuro sinal de uma ruína sem nome
.

Chamam-lhe escrita, outros preferem nomeá-la como infinito
exercício de adivinhação, dizem-na outros arte,
enigma redentor a que se entregam os que crescem
para o abismo e perturbam as trevas
.

Recompensa ou castigo, eis o que obstina.

Por essas horas as mulheres arrastam pelas praias o espesso
manto da escuridão, convocam os mortos às encruzilhadas,
libertam trémulas luzes de obscuros papéis e sombras
calcinadas.


Corre implacável o curso da impaciência sob a ofendida
serenidade do poema


O Sossego da Luz

terça-feira, 25 de novembro de 2008

domingo, 16 de novembro de 2008

Dia Internacional para a Tolerância



Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando

Mas já é tarde.


Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo.


Bertold Brecht (1898-1956)



Podem todos rir de mim,
podem correr-me à pedrada,
podem espreitar-me à janela
e ter a porta fechada.

Com palavras de ilusão
não me convence ninguém.
Tudo o que guardo na mão
não tem vislumbres de além.

Não sou irmã das estrelas,
nem das pombas nem dos astros.
Tenho uma dor consciente
de bicho que sofre as pedras
e se desloca de rastos.

Natércia Freire
fotos da net

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A Capa de S. Martinho


Ontem foi dia de S.Martinho, o santo da capa vermelha.
A tradição, que já não é o que era, manda comer castanhas e beber vinho novo, jerupiga ou água-pé (não sei se é tudo a mesma coisa). Mas a inflação fez da castanha um artigo caro, de dias especiais.
A tradição também foi atraiçoada em matéria de tempo. O verão do dito cada vez é mais parecido com um Outono enfurecido a deitar para a invernia.
Mas voltemos ao santo, melhor dizendo à sua capa. O sol, que aquece o corpo e a alma, revelou-se no exacto momento em que ela é rasgada ao meio para mitigar o frio do mendigo. A capa do romano, rico e poderoso, é partilhada com um abandonado pela vida. Esse é o seu verdadeiro significado: a partilha.

Na pressa dos dias de hoje, quando rasgamos alguma coisa, é para a deitar fora, desfazermo-nos do que não nos faz falta. Quem se lembra de rasgar um postal de boas festas e partilhar uma das metades com alguém? Quem se lembra de rasgar um talão do multibanco e entregar um bocado à pessoa que nos procede na fila? Ridículo! É verdade. Mas estas metades ou outras de teor semelhante fazem parte do mundo de tralhas que nos rodeiam e sem as quais dificilmente passamos.

Mas há outras metades que servem para partilhar.. São coisas que não rasgamos, porque não as compramos.
Um sorriso, um abraço, um silêncio, até mesmo um elogio (não se diz rasgados elogios?) são a metade da capa de Martinho. Aquecem o corpo e a alma. Quando damos estas metades, somos ricos e poderosos em solidariedade e generosidade. Quando nos dão estas metades, reencontramos a força para viver.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Recordando...

Sophia de Mello Breyner Andresen
nasceu há 89 anos.
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Data

Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rasto

Tempo da ameaça

Poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen