segunda-feira, 7 de julho de 2008

Ary dos Santos

Meu Corpo

Meu corpo
é um barco sem ter porto
tempestade no mar morto
sem ti.
Teu corpo
é apenas um deserto
quando não me encontro perto
de ti.

Teus olhos
são memórias do desejo
são as praias que eu não vejo
em ti.
Meus olhos
são as lágrimas do Tejo
onde eu fico e me revejo
sem ti.

Quem parte de tão perto nunca leva
as saudades da partida
e as amarras de quem sofre.
Quem fica é que se lembra toda a vida
das saudades de quem parte
e dos olhos de quem morre.

Não sei se o orgulho da tristeza
nos dói mais do que a pobreza
não sei.
Mas sei
que estou para sempre presa
à ternura sem defesa
que eu dei.

Sozinha
numa casa que é só minha
espero o teu corpo que eu tinha
só meu.
Se ouvires
o chorar de uma criança
ou o grito da vingança
sou eu.

Sou eu de cabelo solto ao vento
com olhar e pensamento
no teu.
Sou eu
na raiz do pensamento
contra ti e contra o tempo
sou eu.


Picasso- Blue Nude
Desespero
Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.
Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.
Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu
A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.

12 comentários:

Isamar disse...

Lindíssimo, Esperança! O Poema de Ary e o teu poema revelam alguém muito inspirado e em sofrimento.
Espero que não estejas a passar por um mau momento. Se isso acontecer podes contar comigo.

Beijinhos

Elvira Carvalho disse...

Ary é Ary e está tudo dito. Que grande perda para nós a sua morte tão jovem. De Picasso nem ouso falar de tal modo me sinto pequenina.
O seu poema, é muito bonito, revela muito sentimento, mas também desespero, desencanto. Oxalá seja apenas fruto de imaginação...
Um abraço

o escriba disse...

Isabel

Querida Amiga, muito obrigada pelo teu afecto. Em princípio estou bem, que a gente nunca pode dizer que está sempre bem. Fiquei comovida com o teu acolhimento. É muito gratificante saber que alguém se preocupa connosco. És um ombro amigo com o qual posso contar e isso não há palavras para agradecer.

Os dois poemas são do Ary e a razão de os ter posto aqui é porque ando a organizar umas notas sobre Fado e estes poemas são assim uma espécie de ilustração. Eu gosto muito deles, têm alma.

Amiga, não sei se reparaste no selinho que consegui produzir. Experiência daqui, dicas dali, lá descobri o "segredo". Só não sei se funciona porque ninguém o levou, ainda.

Mtos bjinhos
Esperança

o escriba disse...

Elvira Carvalho

Os dois poemas são do Ary, que eu não tenho veia para tanto talento.
Ainda bem que gostou.

Sabe, eu de mim sou uma pessoa alegre, mas sempre tive tendência para gostar de poesia introspectiva, daquelas cujos estados de alma incendeiam o mundo à nossa volta. Identifico-me muito com essas palavras. Talvez venha de trás, de outros mundos,de outras vidas.Quem sabe?

Um abraço
Esperança

o escriba disse...

Isabel

Já vi que funciona o meu selinho. Muito obrigada por o teres levado, amiga do peito!


bjinhos
Esperança

Isamar disse...

Eu sei que os dois poemas são de Ary. Foi um lapso inexplicável, amiga. Tenho a obra completa de Ary e de muitos outros poetas. Na minha vida, a poesia tem sido uma constante. Tivesse eu sensibilidade para a fazer!

O selinho já lá está e funciona muito bem. É lindo! Aqui para nós que ninguém nos ouve, tenho pena que o selo da Lagartinha seja tão grande. Vou sugerir-lhe que faça um mais pequenino.

Deixo-te jinhos, querida amiga.

Isa

lagartinha disse...

Esperança
Lindos poemas, triste o segundo, como que a pedir ajuda...
Só me interesso por poesia quando me sinto triste, será normal? A poesia não devia ser um refúgio do desespero, pois não?
Numa determinada altura da minha vida, resolvi escrever umas coisas e até dei um nome: "Minorias". Como literatura, talvez fosse pobre, mas consegui por palavras descrever o que me afligia mais na altura: a guerra, a fome, a pobreza, a velhice...
Um dia destes publico alguns deles...
Um beijinho

Jorge P. Guedes disse...

O grande Ary, o poeta de Lisboa, do Tejo que tanto canta, e do amor, da força telúrica da razãp e dos sentimentos.
Foi bom recordá-lo.

Um abraço.

Jorge P.G.

Jorge P. Guedes disse...

Minha querida amiga Esperança:

Como já deve ter reparado, não tenho nos meus blogues outros selos que não sejam os meus.
Isso deve-se, fundamentalmente, a duas razões:
uma, de estética, e a outra, o tornar a página demasiado carregada e dificultar enormemente a entrada a quem não tem uma ligação de Net muito rápida.

No entanto, fica apromessa de que, provavelmente depois das férias, irei colocar uma coisinha bonitib«nha com os selos de alguns blogues amigos. Nessa altura, o seu estará lá com o maior gosto e prazer.
E, se por acaso, no meio de tanta coisa que sempre surge, me esquecer, peço-lhe que me recorde.

Receba um grande abraço e os meus agradecimentos pelo carinho que tem devotado ao meu trabalho.

Jorge P.G.

o escriba disse...

Isabel

Mas tens sensibilidade para os sentir, o que já não é pouco, amiga!

Falando agora baixinho para ninguém nos ouvir, eu acho que uma certa lagartinha rastejou até aqui atrás das nossas cadeiras de jardim e deu conta do que disseste àcerca do selo da amiga. Então lá foi ela tratar de repor a verdade, digo , o tamanho e , voilá...! O selinho da Lagartinha é pequeniiiinooo!!!

bjinhos
Esperança

o escriba disse...

Ana Lagartinha

É normal gostarmos de poesia quando estamos tristes, é normal gostarmos de música quando estamos alegres. Olhe é tudo normal, quando é a nossa sensibilidade que mexe. Pelo menos é a minha opinião.
Por isso fico à espera de ler as suas letras bem somadas sobre a sua visão do mundo. O título é convidativo:"Minorias". Já dizia um amigo meu que são os "pormenores" que fazem os "pormaiores".


bjinhos
Esperança

o escriba disse...

Jorge

Não se preocupe com o meu selinho. Compreendo perfeitamente. Eu vou ao seu espaço porque gosto muito, do que aprendemos, do que rimos, do que partilhamos. Agradeço também o bom acolhimento que me fez desde o início deste meu canto.

Um abraço
Esperança