quinta-feira, 12 de junho de 2008

VILA DE OLHÃO DA RESTAURAÇÃO

No próximo dia 16 de Junho, Olhão comemora o Bicentenário da sublevação popular contra a ocupação das tropas napoleónicas e consequente elevação à categoria de vila com o nome de Vila de Olhão da Restauração.
A lembrança desses acontecimentos deve-se em primeira mão a João da Rosa, escrivão do Compromisso Marítimo, que redigiu uma memória descritiva do sucedido. Ele próprio, no dia 12 de Junho, ao proceder à limpeza da Igreja para as cerimónias do Corpo de Deus, destapou as armas reais, contrariando, assim, as ordens do invasor francês e provocando já aí algum alarido.



Em resultado do Bloqueio Continental imposto pela França Napoleónica, o qual Portugal não cumpriu, as tropas francesas penetram em território português em 1807.
Face a este perigo, a Família Real e um enorme séquito, estimado em vários milhares de pessoas da classe dirigente, optam pela partida para o Rio de Janeiro, fazendo-se acompanhar de todas as suas riquezas. O Tesouro Português, já de si exausto, sofreu um rombo irremediável !
Enquanto o futuro D.João VI, afastado de perigos e responsabilidades, singrava através do Atlântico, Junot, general francês comandante do exército invasor, assentava arraiais em Lisboa e disseminava as suas tropas por todo o nosso território. Rapidamente se concluiu que os franceses tinham apenas o objectivo de sugar o resto dos recursos que o nosso país ainda possuía.

No caso de Olhão, aos pescadores era exigido que as lanchas que se dedicavam à apanha da morraça (termo local que designa o moliço) e da amêijoa pagassem um determinado imposto, condição sem a qual não podiam sair para a sua faina diária. No que concerne aos donos e mestres das várias embarcações, eram também obrigados a pagar a importância de 88$ooo réis por mês ao Compromisso Marítimo local, verba que se destinava ao denominado "prato do governador".
A população estava ainda sujeita ao pagamento da dízima e demais tributos sobre as casas, vinhas e fazendas, compromissos que eram satisfeitos em Faro.
As actividades tradicionais da população olhanense, directamente relacionadas com o mar, constituíam uma importante fonte de proventos para o ocupante estrangeiro, pois não eram só os barcos de pesca que eram tributados, mas também as embarcações que se dedicavam ao contrabando com Gibraltar e alguns portos espanhóis, estas obrigadas ao pagamento de dez moedas de ouro por cada viagem.
Sucederam-se os saques à propriedade, mormente às igrejas e catedrais que foram espoliadas de grande quantidade de objectos em prata, posteriormente fundidos e cujas barras eram enviadas para Paris
É neste contexto de grande debilidade económica e num clima de crescente descontentamento popular que se gerou o levantamento dos Olhanenses contra o invasor gaulês.


Na manhã do dia 16 de Junho, a população de Olhão dirigiu-se para a Igreja Matriz para assistir às solenidades do dia de Corpo de Deus, e depararam-se com um edital de Junot, datado de 11 de Junho, convidando os portugueses a lutar ao lado dos franceses contra a sublevação espanhola. Perante tal situação, o Coronel José Lopes de Sousa, governador de Vila Real de Santo António, que na altura se encontrava em Olhão, numa atitude de indignação, rasgou a proclamação, incitando os pescadores à revolta, tendo sido a partir de então aceite como o seu chefe natural.
O pároco da aldeia, padre Malveiro, contagiado pela revolta dos pescadores, procedeu à chamada "collecta pro Rege", que se deixara de fazer aquando da chegada dos franceses.
O simbolismo do acto de José Lopes de Sousa ao rasgar o edital foi determinante. A revolta estalou rapidamente, alastrando às localidades vizinhas e posteriormente a todo o Algarve. A derrota e fuga dos franceses na refrega de 18 de Junho, na ponte de Quelfes, foi marcante pois o entusiasmo popular redobrou e os reforços napoleónicos chegariam tarde de mais — o Algarve era novamente Português !
Com a retirada dos franceses tomava-se necessário que o Algarve fosse dirigido por um governo que cuidasse da direcção dos negócios da guerra e, paralelamente, dos negócios da administração pública. Com o referido objectivo, foi eleito em Faro, no dia 22 de Junho de 1808, um governo, que conduziria os assuntos algarvios até que o Príncipe Regente regressasse, e que era formado por elementos da nobreza, do clero, do exército e do povo e que era presidido por Francisco de Mello da Cunha de Mendonça e Menezes, Conde de Castro Marim e futuro 1º Marquês de Olhão.
Contudo, não estava terminada a participação do povo de Olhão na "Restauração" da província, pois, uma das primeiras medidas desta Junta Provisional foi a comunicação da nova situação política verificada no Algarve ao Príncipe Regente, tarefa esta que foi levada a cabo por um grupo de pescadores olhanenses, que num pequeno barco, o Caíque "Bom Sucesso", comandado pelo mestre Manuel Martins Garrocho, que partiu de Olhão no dia 6 de Julho de 1808, tendo chegado com a boa nova à cidade do Rio de Janeiro no dia 22 de Setembro do mesmo ano.


D. João VI, através de alvará datado de 15 de Novembro de 1808, elevou a aldeia de Olhão à categoria de "Vila de Olhão da Restauração" e atribuiu outros privilégios aos ocupantes do caíque, além de reconhecer a chamada Junta Provisional do Algarve.



Fontes: IRIA, Alberto, A Invasão de Junot no Algarve, Subsídios para a História da Guerra Peninsular - 1808/1814, Lisboa, 1941.
SANTOS, José João, Olhão e a Resistência à Ocupação francesa – Um projecto de Trabalho, 1995




A Escola Básica dos 2º e 3º ciclos João da Rosa, de Olhão, realiza desde 2002 a reconstituição histórica do episódio de 16 de Junho de 1808 e a partida do Caíque Bom Sucesso para o Brasil.
É um evento de grande envergadura, já que implica a participação de quase 200 pessoas entre alunos, professores, funcionários e encarregados de educação, em trajes de época.
O Projecto Vestir a História – Gabinete de Trajes e Acessórios, 1808 é o responsável pela criação das vestimentas que se repartem por vários grupos sociais: gente do mar, gente do interior, burguesia, clero, militares e ciganos.
No primeiro ano foi de vital importância a participação dos encarregados de educação que chamaram a si as despesas da confecção de grande parte dos trajes.
Nos anos posteriores, o guarda-roupa foi aumentado com mais peças e novos modelos.



Actualmente, o conjunto eleva-se a mais de 500 peças de diferentes tecidos, padrões e texturas e um número considerável de acessórios, nomeadamente sapatos, botas, tamancas, e sapatos de ourelo, meias, mantilhas, lenços, gorros, chapéus civis e militares, apetrechos de pesca e cestaria variada.






É um Projecto importante a todos os níveis. Os alunos aprendem História, os professores desenvolvem actividades várias, os encarregados de educação participam, a comunidade revive o ambiente dos seus antepassados e a Cidade de Olhão engrandece-se porque recordando o passado, compreende melhor o presente.


No próximo dia 16 de Junho, Olhão está em festa! Vai reviver-se 1808!



11 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Belíssima ideia da Escola, provando que na realidade ainda são os professores e as comunidades escolares que vão fazendo coisas úteis pela cultura do país.
A carolice ainda é apanágio da classe docente! Não fosse assim e ...

Interessante ecompleto este escrito sobre um pedaço da nossa História.
Ó vila de Olhão
da Restauração
madrinha do povo
maadrasta é que não!

E que saudades do Zeca!

Um abraço.
Jorge P.G.

o escriba disse...

Jorge

Desculpe o atraso da resposta. Tenho andado embrenhada neste projecto pois sou eu a responsável pelo gabinete dos Trajes e Acessórios. É, efectivamente, um trabalho de grande carolice... mas merece a pena, pelos nossos alunos.
Obrigada pelas palavras!

Um abraço
Esperança

Evasões disse...

Excelente post.

Iniciativas destas são sempre louváveis mas implicam muitas horas de trabalho. Carolices dos professores.

bjo

o escriba disse...

Mia

É verdade, muitas horas de trabalho.
Mas quando se faz com o coração...

bjs
Esperança

Isamar disse...

Parabéns, Esperança! Conheço bem o tema de que falas e todo o ambiente onde decorreu a rebelião dos olhanenses contra os franceses desde o apelo na igreja matriz à ponte de Quelfes/Brancanes onde franceses e olhanenses se confrontaram.
Assim vale a pena andar na blogosfera.
Obrigada, colega, algarvia.
Beijinhos

Isamar disse...

Voltei para te dizer que já tenho um selo que podes aqui pôr na lapela. Podes também passar pelo blog colectivo, o ad libitum. Encontras o link no template do meu blog.
Ah, já saiu a nova Whiskers.

Beijinhos

o escriba disse...

Isabel

Obrigada pelas tuas palavras de amizade. Não tenho tido tempo "nem para me coçar". Cheguei agora da Escola e sentei-me um pouco para me relaxar.
Já cá tenho os selinhos giros do teu espaço e do colectivo mais a imperdível edição da revista.
Posts e comentários só para a semana!

Um beijinho
Esperança

Jorge P. Guedes disse...

Hoje, passo e deixo um abraço.

Espero que os trajes tenham ficado bué da lindos! Rrsss....

Jorge P.G.

lagartinha disse...

Um bom início de semana.
Por favor, participem na votação que está a decorrer no clube entre hoje e amanhã. É importante.
Obrigada
CLUBE DE BLOGUISTAS PORTUGUESES

o escriba disse...

Jorge

Obrigada pela visita.
Correu tudo bem. Os trajes estavam lindíssimos.Assim que puder envio-lhe algumas imagens.

Um abraço
esperança

o escriba disse...

Ana

Obrigada pela visita. Já fui às urnas lá no Clube.
Fiquei muito contente por ver que o número de sócios não pára de crescer!!! O Blog está uma página linda de se ver!!!
Proximamente vou lá pôr umas coisinhas.

bjs
Esperança