segunda-feira, 30 de junho de 2008

Quase

Mário Sá-Carneiro



Um pouco mais de sol - eu era brasa,

Um pouco mais de azul - eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa...

Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído

Num grande mar enganador de espuma;

E o grande sonho despertado em bruma,

O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,

Quase o princípio e o fim - quase a expansão...

Mas na minh'alma tudo se derrama...

Entanto nada foi só ilusão!


De tudo houve um começo ... e tudo errou...

- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...

Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,

Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos de alma que, desbaratei...

Templos aonde nunca pus um altar...

Rios que perdi sem os levar ao mar...

Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...

Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;

E mãos de herói, sem fé, acobardadas,

Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,

Tudo encetei e nada possuí...

Hoje, de mim, só resta o desencanto

Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,

Um pouco mais de azul - e fora além.

Para atingir faltou-me um golpe de asa...

Se ao menos eu permanecesse aquém...


18 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Este "QUASE" é um dos poemas em que Mário de Sá Carneiro mostra bem a sua crise de identidade e inadequação a uma vida de solidão com uma grande incapacidade de viver e de sentir o que mais desejava.
Suicidou-se com estricnina e chamou um amigo para assistir como testemunha ao suicídio. A Fernando Pessoa, seu grande amigo e companheiro na Orpheu, por várias vezes comunicara por carta que se viria a suicidar e deixou-lhe a incumbência de fazer publicar como e quando entendesse toda a sua poesia.
Um grande poeta e um inadaptado à vida.

Um bom contributo à grande poesia portuguesa aqui foi deixado por si neste poema.
Um abraço.
Jorge P.G.

Isamar disse...

Querida Esperança

És a primeira pessoa a quem me dirijo depois deste longo fim de semana, no campo, sem net.Eis que encontro um dos mais bonitos poemas da minha já longa lista. Mário de Sá Carneiro teve uma vida curta, assim o quis, mas uma obra grande.Tão grande e tão bonita apesar do sofrimento, da inadaptação, da solidão deste mundo de injustiça feito que o tenho sempre à minha beira por ser indispensável.
Obrigada, colega querida! Vai mantendo este espaço de partilha, de cumplicidade, de ternura feito. Esta algarvia agradece-te.

Beijinhos

o escriba disse...

Jorge

A poesia de Sá-Carneiro toca-me muito pelas suas palavras de um espírito inquieto e insatisfeito. Não porque eu seja assim, mas porque penso no seu sofrimento interior e que o levou ao suicídio.
Gosto efectivamente da sua poesia mesmo quando pretende dar-lhe um toque de farsa (estou a lembra-me do poemeto - quando eu morrer batam latas...).

Obrigada pelo seu comentário.

Um abraço
Esperança

o escriba disse...

Isabel

Espero que esse retiro no campo tenha sido para retemperar forças.
Mário Sá-Carneiro é um dos meus poetas de eleição.
Sabes que eu dantes cantava uns faditos entre amigos e quando cantava estas palavras no Fado Alberto, havia sempre emoção em quem escutava e lágrimas em quem cantava. Era um momento mágico.

Obrigada por escutares.

bjs
Esperança

Isamar disse...

Escriba Querida

Vim sem demora agradecer-te o áureo comentário deixado no meu post. Ficaste mais rica em números? Não foi coisa que eu não adivinhasse pois com a descida do IVA em 1% os teus bolsos ficaram a arrebentar com tanta fartura. De mal agradecidos está o inferno cheio, dirão aqueles que suspeitarem da minha ironia mas não é isso não, o que eu sinto é alegria.
E para mais fiquei exultante ao reler o teu poema.

Um pouco mais de sol eu era brasa
Um pouco mais de azul eu era mar
Um pouco mais de telha eu era casa
Um pouco mais de veia eu era verso a rimar

Beijinhos Esperança

o escriba disse...

Isabel

Querida Amiga, nem sei o que hei-de fazer a tanta nota a sair-me dos bolsos!!!

Gostei da tua paráfrase!!! Até o teu selo condiz: é azul, azul da cor do mar!!!

bjinhos
Esperança

vieira calado disse...

obrigado por este belo poema.
Um abraço.

Maria Papoila disse...

Um belo poema na língua que melhor conheço e que muitos pensam ser da autoria de Florbela Espanca.

beijins

o escriba disse...

Vieira Calado

Obrigada pela visita e pelo comentário.

Um abraço
Esperança

o escriba disse...

Maria Papoila

Obrigada pela visita. De facto a inadequação à realidade e a incapacidade de viver são denominadores comuns nas palavras desses dois grandes poetas.

bjs
Esperança

Bloga Comigo disse...

A inadaptação à vida, aos valores sociais pelos quais nos querem fazer reger, têm , às vezes, um preço demasiado alto.
Assim aconteceu com o poeta.

Bjos

Isamar disse...

Amiga e Colega Esperança

Passei para me dar conta da existência de novidades. Concluo que nada de novo postaste.
Aguardo-te para um cafezito em ambiente tertuliano.

Bjinhos

o escriba disse...

bloga comigo

Obrigada pelo comentário.
Volte sempre.


Um abraço
Esperança

o escriba disse...

Isabel

Estou a organizar aqui umas coisitas para postar.
Passa sempre. Tens lugar cativo!!!

bjs
Esperança

Elvira Carvalho disse...

Um poema sentido, sofrido, como sofrido e angustiado devia ser o espirito do autor e que o arrastou ao suicídio. Se é verdade ue os suícidas sempre lançam uma tábua em busca de algo que os salve, esta poderia ser a tábua de Mário de Sá Carneiro.
Um abraço

Jorge P. Guedes disse...

Passo hoje e deixo um abraço, na ausência de notícias suas.

Jorge P.G.

o escriba disse...

Elvira Carvalho

Obrigada pela sua visita e comentário.

Um abraço
Esperança

o escriba disse...

Jorge

Obrigada por ter passado.

Um abraço
Esperança