sábado, 17 de maio de 2008

Fabularium

Trago aqui esta fábula por dois motivos. O primeiro é pela riqueza vocabular. O segundo é pela sua relação intensa com o presente. Não há dados adquiridos, pelo que ninguém julgue que está seguro por mais forte que pareça ser. Os fracos vergam mas não quebram.

O Carvalho e o Junco
Disse um dia o carvalho ao junco da ribeira:
“Bem te podes queixar! É triste o teu destino!
O peso de um pardal p’ra ti é uma canseira.
E um ventinho qualquer, suave e fino,
Que mal enrugue as águas e estremeça,
Logo te faz curvar e baixar a cabeça!
Eu não!... A minha fronte, altiva e bela
Barra o caminho ao sol nos arredores do Verão,
E no Inverno defronta as fúrias da procela!
O que p’ra mim é brisa é para ti tufão!
Ainda se nascesses ao abrigo
Destas minhas ramagens opulentas
Não correrias tanto perigo,
Eu te defenderia das tormentas…
Mas quase sempre nasces- azarento!-
Nos húmidos umbrais dos domínios do Vento.
Como lamento esse teu fado injusto!”
“A tua compaixão”, lhe respondeu o arbusto,
“Vem de um bondoso coração…
Mas não te aflijas sem razão.
Os ventos são p’ra mim menos perigosos
Do que são para ti.
Eu dobro mas não quebro. E tu, se até aqui
Aguentaste os assaltos impiedosos
Sempre de pé, sem te curvar,
Espera até ver…” Mal acabara de falar,
Do fundo do horizonte acode, enfurecido,
O vento mais terrível e aguerrido
Que o Norte alguma vez gerou.
O carvalho aprumou-se; o caniço vergou.
Voltou o vento à carga – e num rompante
Arrancou p’la raiz o frondoso gigante
Que erguia até ao céu a majestosa fronte
E mergulhava os pés nas entranhas do monte.

Fábulas de LaFontaine, tradução de Esther de Lemos

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